Os muros da liberdade
Desde sempre que na casa de Miguel Januário, no Porto, se discute política e justiça social. Andava de skate com as ideias a mil, atento ao conformismo à sua volta, e fervia: tanta parede vazia e tanto por dizer, como era possível? «Comecei a fazer graffiti como forma de protesto, materializando o que pensava nas ruas, para o público. Mas não chegava. » Precisava de agitar, contrariar, transformar. Fazer como os revolucionários no pós-25 de Abril, que pintavam murais a reivindicar saúde, habitação, direitos dos trabalhadores, sacudindo a letargia do fascismo. Há muito tempo que Miguel se considera herdeiro dessa forma - e dessa liberdade - de expressão de Abril. Fará bom uso de ambas enquanto sentir que a revolução não foi totalmente conseguida.
«Acho que o país está de novo a viver, como em 1974, a necessidade de romper com o sistema para encontrar uma saída», explica o street artist de 34 anos, conhecido como MaisMenos desde que criou o projeto de intervenção homónimo em 2005, para mudar mentalidades. «Digo que a revolução não foi cumprida porque a democracia que veio a seguir é capitalista, baseada em sistemas que só os gestores dizem funcionar, e estamos cada vez mais individualistas, mais egoístas, sem qualquer sentido de comunidade nem espaço para sair fora da norma.» A prova disso é que os murais revolucionários foram apagados e essa memória tem vindo a ser destruída, por conter uma série de mensagens que não interessava lembrar. «Estamos a afastar-nos dos valores de Abril.»
MaisMenos vê esse incumprimento no desemprego, na injusta distribuição da riqueza, na forma como a publicidade se apropria do espaço público a troco de dinheiro. Pela parte que lhe toca, voltar aos murais é reclamar justamente esse espaço para educar a sociedade. Avisá-la de que está a ser traída e reprimida, fazê-la pensar. «Vêm os festejos da revolução, vamos lá participar e pôr uns cravos. Enquanto isso, grande parte do setor político desvirtua aquilo que realmente foi o 25 de Abril e vemos o Miguel Relvas a cantar a Grândola, Vila Morena, após tantos danos à democracia.» Mas estamos num momento de viragem histórica a nível europeu, acredita. «Isso também trará as suas consequências no que toca à intervenção de rua e a esta tentativa de falar com o público.»
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