Os milagres são da Igreja e um sacristão também rouba
Numa semana repleta de religiosidade, nada melhor do que, sobretudos para os não crentes, começar a contar a história do processo que envolveu a Confraria dos Milagres da freguesia de Cambeses, em Monção, e a Igreja Católica. Reclamaram os órgãos sociais da confraria, compostos por dois casais, a propriedade da "Capela de Nossa Senhora dos Milagres, "bem como todos os objectos de culto religioso existentes no seu interior, dois cruzeiros e um coreto em pedra implantados no seu logradouro envolvente e anexo". Mais: além daquela capela, a Confraria, composta por dois casais, reclamou ainda a propriedade da Capela do Senhor da Boa Morte, "bem como os terrenos anexos e um nicho das almas junto aos terrenos da mesma capela, na sua extremidade poente, e ainda todos os bens de culto religioso existentes" no seu interior (processo 27/14.5T8MNC).
Ainda por cima, suprema blasfémia, durante anos os confrades geriram os prédios, organizaram "procissões, compassos na visita Pascal, sempre sem padre a presidir", efectuaram "funerais, detendo as quantias depositadas nas caixas de esmolas recebendo os votos e as promessas". Isto, obviamente, causa mais transtorno às finanças da Igreja do que, porventura, ao Santíssimo.
Perdida a acção em primeira instância, no recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, em 2016, a igreja mostrou-se indignada com a decisão do juiz de Monção. "Sempre com o maior respeito", referiu, considerou ser "verdadeiramente insólito que dois grandes e valiosos edifícios religiosos, que sempre, ao longo de séculos, foram de grande frequência religiosa e católica , se encontrem na gestão e administração, feita por pessoas que se arvoram em Confraria, sem quaisquer estatutos próprios nem autorização nem tutela da hierarquia religiosa da freguesia e que assim se deixem ficar, mesmo perante a reivindicação que deles faz a Igreja católica, que sempre, até então, os havia possuído como património eclesiástico, propriedade da mesma Igreja Católica da freguesia, exactamente como tal acontece, afinal, com a própria Igreja matriz local".
Tudo ficou resolvido com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, declarando a Igreja como dona e legítima proprietária das igrejas e dos respetivos bens. Nossa Senhora dos Milagres, por decisão do tribunal, voltou a casa.
Os caminhos da Igreja e da justiça cruzaram-se també no processo 132/10.7GBVNO. Condenado em primeira instância por um crime de furto simples, outro qualificado e dois de dano qualificado, o sacristão recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra. Mas, tudo estava contra o homem, desde a matéria de facto até ao local do crime.
Não é que, estando ao serviço do Santuário de Fátima, o homem, certo dia, entrou na Igreja da Santíssima Trindade, retirando daí "um par de colunas de som de fixação na parede", "quatro colunas independentes", "um amplificador, "transformadores, vário material eléctrico" e "um rádio portátil emissor/receptor". Foi tudo o que terá encontrado.
Alguns dias depois, novo raide, desta vez na Capela do Calvário Húngaro: amplificadores e cabo de alimentação. Não satisfeito com a proeza, o sacristão resolveu iniciar a carreira de "pregar partidas" e a 25 de dezembro de 2009, durante a transmissão pela RTP de uma missa na Igreja da Santíssima Trindade, o rapaz "desligou vários disjuntares do quadro eléctrico", trocando, em seguida, "vários fios do quadro eléctrico".
Nesta fase de aprendiz de eletricista, o sacritão continuou a exercitar os seus conhecimentos, ora cortando várias vezes a luz na igreja da Santíssima Trindade, ora cortando os tubos de óleo do gerador, deixando-o ligado até o aparelho avariar por falta de óleo. Em vez de tratar das hóstias, o sacristão manteve a toada: ainda na Igreja da Santíssima Trindade, entrou na casa de banho num piso superior, abriu as torneiras até provocar uma uma inundação, provocando infiltrações no tecto da sacristia. Não satisfeito, em abril de 2010, teve outra ideia: grafitar as paredes da Capela do Calvário Húngaro com a expressão "Morte ao Papa" e duas cruzes suásticas.
No recurso, o sacristão esforçou-se por colocar em cima da mesa vários argumentos formais, procurando com isso escapar a uma condenação quase certa. Ora foi o excesso do valor da indemnização calculado, ora alegou com a falta de garantias de defesa. Disse ainda que, depois dos factos, separou-se da mulher, regressando à terra dos pais, onde residia, fazendo biscates de carpintaria para sobreviver. Porém, nem rezando conseguiu escapar à condenação. O máximo que conseguiu foi a redução da indemnização a pagar ao Santuário, fixando o tribunal o valor de 2400 euros durante quatro anos, tendo em conta a situação económica do condenado. Um pobre que não entrará no reino dos Céus.