Os meus últimos almoços ingratos

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Desde que temos um novo presidente dos Estados Unidos, os almoços e jantares que tenho com amigos converteram-se num pesadelo. Degeneram inevitavelmente num pimpampum contra Trump e eu já estou velho para suportar os convencionalismos e as vulgaridades. Não terá algum tipo de mérito um homem que, com todos os meios contra si e um orçamento modesto comparado com o da senhora Clinton, conseguiu derrotá-la e chegar à instância suprema do país mais importante do planeta? Não ponho em causa que Trump conquista diariamente a animosidade geral com assuntos como o muro do México ou a proibição de entrada no território americano aos cidadãos de alguns países árabes escolhidos aleatoriamente. Considero mais prejudiciais algumas das suas outras posições, como o protecionismo comercial ou o objetivo de intervir na vida das empresas, assim como a sua resistência em aceitar os contrapesos que, desde a fundação do país, tentaram impedir o poder absoluto do seu mais alto representante. Apesar de tudo, tento em vão ressaltar os aspetos lúcidos das políticas que anunciou durante este pequeno lapso de tempo stressante e louco. O primeiro foi o desmantelamento do Obamacare, um programa de saúde que não tinha nem de longe a aprovação geral que nos venderam na Europa. A saúde nos Estados Unidos apresenta enormes deficiências, mas estas não se corrigem com mais intervenção do governo, mas liberalizando o mercado, fomentando a concorrência e incentivando as poupanças dos cidadãos. Trump aprovou outra norma que passou despercebida para os lobos que o devoram diariamente, mas que é chave para a saúde de qualquer nação. É a que obriga a que por cada novo regulamento que seja aprovado pelo organismo administrativo sejam eliminados dois. Dois que estejam antes em vigor. O objetivo é brilhante: pôr um travão no excesso de leis que deixam a economia americana de mãos atadas e que se multiplicaram durante o mandato de Obama. E, por último, Trump comprometeu-se com duas questões cruciais: a diminuição dos impostos tanto para as famílias como para as empresas, assim como a promoção de um plano de investimento privado em infraestruturas recompensando os construtores com deduções fiscais e direitos sobre portagens. Qualquer pessoa que conheça a fundo e tenha viajado pelo país, que não é o caso dos espanhóis que só visitam Nova Iorque e outras cidades míticas, conhecerá o estado comatoso das redes de comunicação dos Estados Unidos e a obrigação até moral de pô-las bem. É claro que este plano tão oportuno e inédito ainda na Europa deve ser compatível com o equilíbrio orçamental, e que todas as decisões políticas que reduzam temporariamente os rendimentos deveriam ser associadas a um corte dos custos, mas também que nem todas as políticas económicas de Trump são negativas. Há iniciativas que devem ser aplaudidas e, mais, que deveriam ser consideradas como inspiração, como uma espécie de guia espiritual para o Ocidente.

O segundo tema de conversa que me desagrada profundamente tem que ver com questões domésticas. Trata-se da alegada urgência que há em Espanha para uma subida dos salários. Na opinião dos meus amigos, chegámos ao limite! Já não se pode aguentar mais. Na opinião deles, a situação é intolerável e requer uma determinação inevitável e clara por parte do governo e das empresas. Naturalmente, os meus amigos não fazem ideia da regra mais elementar da economia, que é a da oferta e procura. Como pode haver um aumento de salários num país que tem uma taxa de desemprego que ultrapassa os 18% e um desemprego jovem acima dos 40%? Apesar desta restrição devastadora e intransponível, a exigência geral por melhores salários acresce ao súbito impulso da inflação, e tem também que ver com a força da economia, que voltou a crescer no ano passado acima de 3%, o dobro dos nossos sócios. Para os meus amigos de esquerda, e até para os de direita, a equação é muito simples: estamos há vários anos a crescer e chegou a hora de distribuir. Mas este argumento, que à primeira vista parece plausível, é no fundo nocivo. Equivale a dizer: agora que tudo vai relativamente bem, vamos voltar a abrir a garrafa de champanhe. Subir os salários seria inflacionista e castigaria a produtividade. Espanha, como Portugal, comercializa num mundo global, e se aumentam os custos laborais perderá a competitividade que tem vindo a recuperar até agora. Não precisamos de salários mais elevados, mas de mais emprego, e isto exige melhorar a qualificação dos trabalhadores, reforçar o sistema de formação profissional e ter um mercado laboral o mais flexível possível. O Estatuto dos Trabalhadores da Suíça tem 36 páginas, o nosso mais de mil. As indemnizações por despedimento na Suíça são mínimas, independentemente da antiguidade do trabalhador, mas existe em troca uma rede de políticas ativas de emprego que se encarga de reciclar os trabalhadores e de ajudá-los a procurar outra ocupação rapidamente. Como convencer os meus amigos com estas histórias tão simples? É como lançar pérolas aos porcos.

Não compreendem que se se aumenta o poder de compra dos salários muitos trabalhadores perderão o seu emprego, sobretudo os jovens, os menos qualificados e os menos produtivos. Também não entendem que fomentar a procura não é necessariamente bom para o país pela simples razão de que as pessoas consomem o que querem, não sendo obrigatório que seja a produção nacional. Compram, e assim deve ser, os bens e serviços que são mais satisfatórios, os que reúnem a melhor relação qualidade/preço. De maneira que o crescimento dos salários, além de aumentar os custos laborais e drenar a competitividade das empresas, pode estimular o consumo de produtos estrangeiros deteriorando a nossa balança comercial e aumentando a dívida externa, que não por acaso foi um dos motivos recorrentes do estrangulamento da economia espanhola. Para que os salários reais cresçam saudavelmente - descontada a inflação -, para aumentar o nível de emprego, a única via possível é melhorar a qualidade do capital humano, encorajar os avanços tecnológicos, aperfeiçoar o stock de capital físico, apostar de forma decidida em abrilhantar os fatores produtivos. Transmitir à estrutura salarial o aumento transitório de preços, que no caso da Espanha se deve ao custo do petróleo, seria tão terrível como baixar os salários dos empregados quando a inflação retrocede ou é negativa. No meu país, que criou dois milhões de empregos na última legislatura, ainda tenho amigos que deturpam o meu argumento com o pretexto de que se trata de um emprego precário, temporal, mal remunerado. São uns perfeitos idiotas. Qualquer notícia sobre um aumento na criação de emprego deve ser abençoada e venerada, porque é essencialmente positiva. Pelo contrário, aumentar os salários é uma condenação fixa para os trabalhadores mais vulneráveis, para os menos qualificados e para os mais jovens, que ingenuamente pensam que deveriam receber mais sem ter em conta que, ao pôr em prática o seu estúpido desejo, passariam a não receber nada, porque rapidamente estariam na rua.

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