Os meus dias em Hokkaido
Parti para o Japão em abril de 2002 ao abrigo do programa de bolsas de estudo Monbukagakusho do governo japonês, para o que seriam 6 meses de estudo da língua seguidos de 1,5 anos como estudante de investigação na área de Oceanografia na Universidade de Hokkaido (Hokudai). Mal eu sabia que esses 2 anos se transformariam em 8 anos e meio e que com eles viriam muitas descobertas, um mestrado e um doutoramento.
Não vou negar, a chegada não foi fácil. Apesar de todo o apoio prestado no transbordo em Tóquio, onde conheci um chileno e um americano que também iam para Sapporo (capital de Hokkaido e cidade onde passei os primeiros 6 meses), não conhecia ninguém no meu dormitório e o cansaço acabou por vencer. Pensei várias vezes: "Onde me vim eu meter?!". Mas aos poucos tudo foi melhorando - o curso intensivo de japonês incluído no programa da bolsa ajudou. Vi-me rodeada de pessoas de todo o mundo e senti nos japoneses quase um sentido de admiração quando dizia "sou portuguesa". Quando 6 meses depois me mudei para Hakodate, no sul da ilha e onde está a Graduate School of Fisheries da Hokudai, já fui com um pequeno grupo de amigos - um chileno (o mesmo que tinha conhecido no dia em que cheguei), um indiano e dois indonésios - éramos a rede de apoio uns dos outros.
E foi em Hakodate que vi neve pela primeira vez. Nos idos anos do liceu tinha feito uma visita de estudo à Serra da Estrela, mas a neve estava reduzida a um bloco de gelo na beira da estrada. Mas em Hakodate não. Embora não seja dos locais onde neva mais, esta era abundante durante o período de outubro/novembro a fevereiro/março, deixando a cidade a parecer um postal ilustrado. Sendo para mim novidade, adorava a sensação de chegar a casa ao final do dia e a escada de acesso ao 1.º andar onde morava estar transformada em rampa de neve (obrigada aos meus vizinhos do R/C que me emprestavam a pá para (re)descobrir os degraus) ou então sair de manhã ainda com sono e acordar rapidamente ao inalar a neve trazida pelo vento.
Sendo uma ilha com bastante natureza, Hokkaido, no geral, é uma ilha de cores intensas. O branco da neve no inverno é antecedido de um outono cheio de laranjas, vermelhos e amarelos. Sou suspeita, pois esta é a minha estação do ano favorita, mas ainda não conheci ninguém que se sentisse indiferente às paisagens com estas cores. Já a primavera traz consigo o cor de rosa das cerejeiras em flor.
Claro que houve períodos difíceis e talvez o Natal seja o mais complicado quando se está distante. Ao contrário do Ano Novo em que as famílias se reúnem para 3 dias de celebração, no Japão o Natal é uma celebração de amigos. Não havendo mais portugueses, juntava-me a amigos de outros países. Mas não posso deixar de relembrar o Natal em que muitos dos meus amigos estrangeiros já tinham voltado para os seus países e, por isso, aceitei o convite de uma amiga japonesa para fazer parte do Hakodate Christmas Fantasy. Todos os anos, Hakodate celebra o Natal na Bay Area colocando uma árvore de Natal enviada de Halifax numa plataforma flutuante e enfeita-a com milhares de luzes que todos os dias (de 1 a 25 de dezembro) se acendem numa cerimónia que inclui não só um desfile de Pais Natais (e outras personagens) como também fogo-de-artifício. Nesse ano, fui muitas vezes Mãe Natal, chamei crianças e adultos a participar na festa e senti-me emocionada quando fui convidada para, num dos dias, subir ao palco e fazer parte do grupo que ligava as luzes da árvore.
Como basta um dia para ver todos os pontos turísticos da cidade, incluindo a vista noturna do topo da Hakodate Yama, que se diz valer um milhão de dólares, procurei manter-me ativa através de atividades extracurriculares. A universidade oferece uma grande variedade de grupos (escolhi o da International Friendship Association, do qual cheguei a ser presidente); mas à medida que Hakodate se foi tornando a minha segunda casa, fui também encontrando grupos fora da universidade. Assim, aprendi a cerimónia do chá (não que seja fã de matcha, mas adoro os wagashi), a língua gestual japonesa (ainda hoje me lembro do brilho nos olhos de uma surda quando eu disse "Olá. Chamo-me Ana e venho de Portugal" usando a sua língua), Tai-Chi (onde ganhei várias avós que me batiam aos pontos nos movimentos e me faziam ohagi para levar para casa), fui voluntária da câmara numa escola primária e tantas outras atividades que a cidade me proporcionou...
Voltei para Portugal no início de novembro de 2010, com muitos sentimentos contraditórios. Deixava para trás amigos, mas ia ao encontro de amigos; deixava para trás vivências, mas ia ao encontro de novas experiências; deixava para trás um lar, mas ia de regresso ao lar... Se faria tudo de novo? Sem dúvida que sim!
AP Accountant na Unbabel