Os mais belos olhos azuis da história do cinema
Paul Newman. É um dos últimos rostos de uma era que não voltará mais: uma era em que o estatuto de estrela estava reservado aos melhores. Aos 83 anos, o actor, que sofre de cancro do pulmão, confronta-se com a mais difícil batalha da sua vida. Nas últimas semanas, o seu estado de saúde agravou-se
Não é uma evocação fácil de fazer. Paul Newman, 83 anos completados a 26 de Janeiro passado, pediu aos médicos que o acompanham que o deixem morrer em casa, junto da família. O actor, que sofre de cancro do pulmão e se submeteu a vários meses de tratamentos de quimioterapia, deixou na semana passada o Weill Cornell Medical Centre, em Nova Iorque, e, no horizonte, deverá ter apenas algumas semanas de vida. Não é, pois, uma evocação fácil de fazer, num derradeiro adeus de um dos últimos rostos de uma era do cinema que não voltará mais: uma era em que o estatuto de estrela estava reservado aos melhores.
Rebelde, duro ou sensível, Paul Newman foi, para lá do ideal de beleza masculina que corporizou com rara longevidade, um dos actores de primeira linha que, em Hollywood, se adaptaram com desenvoltura a uma relativa diversidade de papéis. Poderia ter desistido à primeira experiência de desencanto - o seu primeiro filme, The Silver Chalice, de Victor Saville, em 1954, era de duvidosa qualidade -, mas não o fez e essa persistência acompanhá-lo-ia vida fora, à frente da câmara como actor, ou atrás dela, como realizador e/ou produtor. Com sentido do real, apesar do seu trabalho numa fábrica de sonhos: quando finalmente ganhou o Óscar para Melhor Actor - em 1987, pelo seu desempenho no filme A Cor do Dinheiro, de Martin Scorsese, após sete nomeações, desde 1959, o ano do clássico entre clássicos Gata em Telhado de Zinco Quente -, Paul Newman respondeu que a sensação de receber a estatueta dourada era idêntica à de "perseguir uma mulher bonita ao longo de 80 anos" - era impossível fugir ao tempo.
Mas a beleza - que foi sua, quer nos anos de juventude, quer nos anos de maturidade - foi por vezes também, ele próprio o assumiu, um obstáculo ao seu crescimento como actor. Várias vezes ao longo da sua carreira, Paul Newman confessou a sua pena por não ter o dom da versatilidade de nomes grandes como Laurence Olivier ou Alec Guinness. Numa daquelas frases mil e uma vezes citadas, Lee Strasberg terá mesmo dito que, não fôra Newman tão bonito, e a densidade das suas interpretações teria sido bem diferente, porventura próxima da marca pessoalíssima que Marlon Brando deixou quando se envolvia a cem por cento num projecto.
Nos primeiros anos, a semelhança física entre ambos foi, aliás, flagrante, sendo Newman não raras vezes confundido com ele nas ruas. Mais tarde, e com o seu habitual sentido de humor, confessaria ter dado algumas centenas de autógrafos - talvez meio milhar - em nome de Brando, por se sentir incapaz de defraudar as expectativas dos fãs que julgavam ter-se finalmente cruzado com o actor. Apesar do engano, nenhum o terá certamente levado a mal. Quem poderia?
"Sempre que leio um argumento, procuro imaginar o que fazer. Vejo cores, imagens. É como apaixonarmo-nos. Não sabemos explicar porquê", disse um dia. Em anos recentes, anunciou que iria retirar-se, por ter consciência de que chegara a hora de o fazer com dignidade perante a inevitável "perda de memória, de confiança e, sobretudo, de inventividade" como actor. Essas palavras têm agora um significado mais profundo, sobretudo quando cruzadas com aquela que elegeu como divisa de vida: o "sentido de honra e de honestidade", herança do pai, um sobrevivente da Grande Depressão.
"Paul Newman é a última estrela. Nós somos apenas actores", afirmou, um dia, George Segal, referindo-se à faceta larger than life que fez dele um dos actores mais populares de uma era. No passado, como no futuro, serão sempre seus os mais belos olhos azuis da história do cinema.|