As memórias de Bolton e os outros livros que irritam Trump
Um livro que diz que a primeira-dama Melania Trump atrasou a sua ida para a Casa Branca para renegociar o acordo pré-nupcial foi publicado esta semana. Na próxima, sai o relato do ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton sobre os 17 meses que passou na Administração de Donald Trump, até ser despedido em setembro de 2019. E em julho é a vez das memórias da sobrinha do presidente norte-americano virem a público, prometendo não ser abonatórias a favor do tio.
As novidades editoriais a cinco meses das presidenciais norte-americanas estão a irritar Trump que, não tendo feito nada para travar o livro sobre Melania Trump escrito por uma jornalista do The Washington Post - jornal que apelidou várias vezes de "fake" (falso) ou "degenerado" -, tenta na Justiça impedir que o de Bolton e o da sobrinha Mary L. Trump cheguem às livrarias.
O primeiro, cujos excertos já foram publicados pelos media norte-americanos, por incluir alegadamente informações secretas e não ter passado pelo crivo da Casa Branca. O segundo porque Mary, filha do irmão mais velho de Trump, Fred Jr., que morreu em 1981 por complicações relacionadas com o alcoolismo, terá assinado um acordo de confidencialidade que a impede de falar sobre o famoso tio.
Os três livros têm em comum a editora - a Simon & Schuster - que através da sua chancela dedicada a autores conservadores, a Threshold Imprints, editou o livro de campanha de Trump em julho de 2016: Great Again: How To Fix Our Crippled America ("Grande Outra Vez: Como Devolver a Grandeza à América", editado em Portugal pela Editorial Presença em janeiro de 2017) e muitos outros livros do presidente e de membros da sua família (como a ex-mulher Ivana ou a filha Ivanka).
Mas afinal o que dizem os livros mais recentes?
O livro do ex-conselheiro de Segurança Nacional intitula-se The Room Where it Happened (a sala onde aconteceu, numa tradução livre), com o subtítulo a falar das memórias da Casa Branca, onde passou 453 dias ao lado de Trump. Bolton, de 71 anos, ocupou o cargo entre 9 de abril de 2018 e 10 de setembro de 2019, quando foi despedido.
"Informei o John Bolton na noite passada de que os seus serviços já não eram precisos na Casa Branca. Discordo fortemente com muitas das suas sugestões, tal como outros nesta Administração, e por isso pedi ao John que se demitisse, o que ele fez esta manhã. Agradeço muito ao John pelo seu serviço", escreveu Trump no Twitter, indicando que iria nomear em breve outro conselheiro de Segurança, o quarto do seu mandato.
Segundo a apresentação do livro, editado pela Simon & Schuster, ao longo do seu tempo na Casa Branca, "o que Bolton viu surpreendeu-o: um presidente para quem ser reeleito era a coisa mais importante, mesmo que isso significasse pôr em perigo ou enfraquecer a nação. 'Tenho dificuldade em identificar uma qualquer decisão significativa de Trump durante o meu mandato que não tenha sido guiada por cálculos para a reeleição', escreve" o ex-conselheiro.
Segundo os excertos publicados por vários media norte-americanos e britânicos, Bolton alega que Trump estava, por exemplo, disponível para "dar favores pessoais as ditadores de que gostava", falando em "obstrução de justiça como forma de vida". O ex-conselheiro de Segurança Nacional alega ainda que o presidente pediu ajuda ao homólogo chinês, Xi Jinping, tendo em vista a reeleição. Além disso, também não parecia saber que o Reino Unido era uma potência nuclear e questionou se a Finlândia era parte da Rússia.
Bolton, que alegadamente terá tirado notas meticulosas das reuniões com Trump e outros membros da Administração, mostra "um presidente viciado no caos, que abraça os nossos inimigos e afasta os nossos amigos, e que duvidava profundamente do seu próprio governo". O ex-conselheiro de Segurança Nacional, que trabalhou para todos os presidentes republicanos desde Ronald Reagan (foi embaixador na ONU de George W. Bush, por exemplo), alega que as diferenças para os outros inquilinos na Casa Branca são "assombrosas".
O livro trata em profundidade o incidente que levou ao processo de impeachment de Trump no Congresso (foi absolvido pela maioria republicana no Senado em fevereiro). O presidente pediu ao homólogo da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, para investigar a família do rival e ex-vice-presidente Joe Biden, alegadamente condicionado a ajuda norte-americana a este país.
Bolton ameaçou contar tudo o que sabia durante o processo de destituição, se fosse chamado a depor no Senado, mas a maioria republicana bloqueou essa possibilidade. No livro, alega que o presidente fez mais coisas suscetíveis de impeachment do que telefonar para o presidente ucraniano.
A Administração alega que o livro de Bolton inclui informações secretas, razão pela qual o lançamento inicialmente previsto para o início do ano foi adiado. O Departamento de Justiça apresentou uma ação na Justiça para travar a publicação.
O presidente argumenta que a revisão dos conteúdos ainda não está finalizada. Uma ação cível deu entretanto entrada no tribunal federal de Washington para travar a publicação, depois de avisos de Trump de que Bolton podia enfrentar um "problema criminal" se não suspendesse os planos de publicação do livro.
Numa declaração na terça-feira, a editora garantiu que Bolton colaborou com funcionários da Casa Branca para responder às suas preocupações, afirmando que "apoiava plenamente o direito à Primeira Emenda", que garante a liberdade de expressão. O trabalho de revisão das 500 páginas, junto a especialista em segurança nacional da Casa Branca, Ellen Knight, demorou quatro meses, com ela a concluir que não havia informações confidenciais no manuscrito em finais de abril.
Mas um responsável do Conselho Nacional de Segurança Michael Ellis iniciou uma revisão adicional no mês seguinte e ainda não terá acabado. Segundo a ação judicial, foram encontradas "quantidades significativas de informações classificadas" que foi pedido a Bolton que removesse, sendo que este não o terá feito.
No epílogo do livro, Bolton acusa a Administração de apreender documentos dos seus conselheiros, bloquear-lhe a conta do Twitter e "ameaçar abertamente com censura". O texto termina com um "bring it on", que pode ser traduzido livremente como um "fico à espera".
A editora apresenta-o agora como "o livro que Donald Trump não quer que você leia". A data de lançamento é terça-feira, 23 de junho, com Bolton a ter já agendada uma entrevista no domingo à noite à estação de televisão ABC, além de outras entrevistas gravadas para coincidirem com o lançamento que também não vão agradar ao presidente.
Numa primeira reação, Trump escreveu no Twitter que o "livro extremamente entediante (The New York Times) do maluco John Bolton é feito de mentiras e histórias falsas. Disse tudo de bom sobre me, impresso, até ao dia em que o despedi. Um tolo chato e descontente que só queria ir para a guerra. Não fazia ideia, foi ostracizado e felizmente despejado. Que estúpido!" E acrescentou noutra mensagem que Bolton é incompetente.
Já o ex-vice-presidente Joe Biden, candidato democrata à Casa Branca, disse que "Trump vendeu os americanos para proteger seu futuro político".
O livro de Mary L. Trump, psicóloga clínica de formação, será editado pela mesma editora Simon & Schuster a 28 de julho com o título Too Much and Never Enough: How My Family Created the World"s Most Dangerous Man, que numa tradução livre seria "demasiado e nunca o suficiente: como a minha família criou o homem mais perigoso do mundo". Para o caso de existirem dúvidas, na capa surge depois uma foto de um jovem Trump.
Segundo a editora, no seu livro, a única sobrinha de Trump promete um "retrato revelador e autoritário" do presidente "e da família tóxica" que o tornou no homem que é hoje. Tendo passado a infância na casa dos avós, onde Trump e os quatro irmãos cresceram, descreve "um pesadelo de traumas, relações destrutivas e uma combinação trágica de negligência e abuso".
Apesar de Trump não ser alheio a livros críticos, este será o primeiro escrito por alguém da sua própria família, com testemunhos sobre como, apesar de ser o filho favorito do pai, Fred, o presidente "se afastou e o ridicularizou" quando ele começou a sucumbir à doença de Alzheimer.
De acordo com a imprensa norte-americana, o livro vai ainda alegar que tanto Fred como Trump "contribuíram" para a morte do pai de Mary e "negligenciaram-no em momentos críticos do seu vício". Fred Jr. morreu de ataque cardíaco, devido a complicações com o alcoolismo. O presidente já admitiu no passado, ao The Washington Post, lamentar ter pressionado o irmão mais velho a interessar-se pelo negócio de imobiliário da família, quando este queria ser piloto.
"Só ela pode contar esta saga fascinante e enervante, não apenas por causa da sua perspetiva interna, mas porque ela é a única Trump disposta a dizer a verdade sobre uma das famílias mais poderosas e disfuncionais", acrescenta a editora sobre Mary, de 55 anos.
Segundo o site The Daily Beast, Trump mandou os advogados ver o que pode ser feito para impedir o livro de 240 páginas de chegar às livrarias, alegando até que Mary assinou um acordo de confidencialidade há anos. Tal acordo terá sido assinado em 2001, depois de uma disputa sobre os bens do pai de Trump - Mary e o irmão reclamavam uma fatia maior da herança, alegando que o testamento escrito em 1991 tinha sido resultado da pressão de Trump e dos irmãos quando este já sofria de demência.
O livro vai ainda contar como a sobrinha do presidente forneceu ao The New York Times os documentos que o jornal usou numa investigação especial sobre as finanças de Trump, que venceu um prémio Pulitzer em 2019. Nela, os jornalistas David Barstow, Susanne Craig e Russ Buettner alegaram que o milionário esteve envolvido em "esquemas fiscais fraudulentos" e recebeu 413 milhões de dólares (aos valores atuais) do império de imobiliário do pai.
O The Daily Beast, citando um ex-conselheiro de Trump, Sam Nunberg, diz que o livro de Mary deixará o presidente mais chateado que o de Bolton. "É sobre a família, é uma traição pessoal. O presidente já lidou com muitos funcionários insatisfeitos no passado a dizerem coisas e a criticarem-no. Mas em toda a minha pesquisa -- e sei tudo sobre os Trump --nuca vi algo assim", afirmou Nunberg.
O livro que já está nas livrarias é The Art of Her Deal: The Untold Story of Melania Trump (ou A Arte do Acordo Dela: A História não Contada de Melania Trump), uma biografia da primeira-dama escrito pela jornalista do The Washington Post e vencedora de um Pullitzer Mary Jordan. Foi publicada na última terça-feira (16 de junho) pela Simon & Schuster e o título é uma referência ao livro do marido The Art of the Deal (editado no Brasil como "A Arte da Negociação" pela Citadel), publicado em 1986.
É apresentada como uma "biografia reveladora" e mostra uma Melania com muito mais influência na Casa Branca do que se imaginava. "Apesar de a sua imagem pública ser de uma mulher distante que flutua acima dos jogos políticos de Washington, nos bastidores Melania Trump é não só parte do círculo próximo do presidente Trump, mas em algumas decisões chave ela foi a sua conselheira mais influente", escrevem na apresentação do livro.
A autora, que terá entrevistas com mais de uma centena de pessoas, conta a história desta imigrante nascida na Eslovénia, a sua carreira na moda que a trouxe a Nova Iorque e o casamento com Trump. Surge como uma mulher "experiente, dura, ambiciosa, deliberada", "que joga a longo prazo".
Jordan revela como Melania aproveitou a vitória surpresa de Trump - o próprio não acreditava que ia ganhar e tinha previsto voar para o seu campo de golfe na Escócia e afastar-se da festa da adversária democrata, Hillary Clinton - para renegociar o acordo pré-nupcial que assinara antes de casar, em 2005.
A primeira-dama, que descobriu os pormenores de várias infidelidades do marido durante a campanha como os outros norte-americanos, ficou em Nova Iorque, oficialmente para cuidar de Barron, o filho de ambos então com 10 anos, e evitar que este mudasse de escola de imediato. Enquanto isso o marido, que já tinha sido casado por duas vezes e orgulhava-se dos seus acordos pré-nupciais, seguia para Washington.
Com Trump a ter de abdicar dos negócios a favor dos filhos, para não haver conflito de interesses, Melania queria garantir que o filho tivesse direito à sua parte da herança. Daí que tenha feito pressão para renegociar o acordo, que não era particularmente favorável, sendo que ela estava numa relação com Trump há mais anos do que qualquer das suas ex-mulheres. Sem acordo, não se mudaria para Washington.
"A melhor coisa que podem fazer é negociar numa posição de força e ter leverage é a maior força que podes ter", escreveu Trump no seu The Art of The Deal. "Ter leverage é ter algo que o outro tipo quer. Ou melhor ainda, precisa. Ou o melhor de tudo, não pode viver sem", acrescentou.
No caso de Melania, esse "leverage" (a palavra vem de lever, alavanca) era que Trump (assim como muitos dos colaboradores e até um dos filhos mais velhos do presidente que consideravam que a primeira-dama seria uma presença calmante) a queria ter na Casa Branca, segundo um excerto do livro de 256 páginas publicado pelo The Washington Post.
O livro aborda ainda as lutas de poder entre Melania e Ivanka, a filha de Trump, que na ausência da primeira-dama da Casa Branca tentou ganhar espaço na Ala Leste e chegou a propor renomear o gabinete da primeira-dama de gabinete da família presidencial (o que Melania vetou). A mulher e o filho mais novo do presidente só se mudaram para Washington no final do ano escolar em junho de 2017, apesar dos custos para os contribuintes e incómodo para Nova Iorque que era garantir a segurança da primeira-dama.
(Artigo atualizado às 10.00 de dia 18 de junho com excertos do livro de Bolton e reações)