Os jovens são os novos cravos na lapela

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Os jovens são os novos cravos para ostentar na lapela nas comemorações do 25 de Abril? Uns como outros simbólicos. Uns como outros retóricos. Há uma contradição implícita, e se calhar inevitável, em todos os discursos que apelam "aos jovens" ou falam dos "jovens": é que são, em si mesmos, o sinal do distanciamento do assunto em questão.

Os jovens não falam dos "jovens" - nem mesmo quando se tornaram um bloco político-ideológico, na construção histórica e de mudança de paradigma que foram os anos 1960. Só se fala dos "jovens", ou "da juventude", ou das "novas gerações", quando já não se é um deles.

Isso, em si mesmo, pode não ser mau. Pior é querer parecer, não o sendo, em adolescências tardias que normalmente nos levam a preservar tudo o que as verdadeiras têm de mau, sem usufruir do que têm de bom tanto a adolescência como a experiência dos anos.

O 25 de Abril e as suas comemorações devolvem à sua juventude os que o fizeram. É normal. Até quem não o viveu ou construiu guarda uma certa saudade. Apostaria que os políticos, quando estão a pôr o cravo na lapela, ao espelho, para ir para a sessão na Assembleia da República, não deixam de ver refletida a sua imagem nesses anos, com a nostalgia deles próprios e dos seus eus jovens desses tempos. Não apenas de como pareciam mas da esperança e do futuro que compreendia lutar por um mundo melhor. É até saudável que parte dessa nostalgia transborde em atos de contrição, em mea culpa e promessas de mudança.

O problema é quando nada muda. E, na realidade, pouco muda. No dia seguinte, quando não no próprio dia à noite, tiramos os cravos na lapela e voltamos à política habitual. Às tricas habituais, aos cochichos e intrigas habituais.

Aí estamos, a discutir os formatos das PPP enquanto o sistema da saúde não se prepara para as crescentes gerações de velhos fatalmente doentes que aí vêm. Enquanto os adultos discutem as PPP na saúde, os jovens sentem o fardo desses seus antepassados de que vão ter de cuidar sem qualquer apoio de um sistema falido.

Aí estamos, a discutir o tempo de serviço dos professores enquanto o ensino se degrada, preso no passado de modelo unívoco, reprodutivo, pouco criativo. Enquanto os professores discutem tempos de serviço, os jovens pensam no que farão para além do que aprenderam na escola.

Aí estamos, a discutir o aeroporto do Montijo, a greve dos camionistas de combustíveis, a proibição das palhinhas, enquanto continuamos a não perceber que o clima mudou de tal forma e vai continuar a mudar de tal forma que não são pequenos paliativos que irão salvar-nos.

Assim como discursos não vão salvar-nos dos maiores riscos que enfrentamos e que serão, a confirmarem-se, a mais grave herança para as novas gerações: polarização da sociedade, democracia ameaçada, descredibilização do sistema, enfraquecimento das instituições, radicalismos vários.

Será preciso, depois de pousados os cravos e murchas as palavras de ordem, pôr mãos à obra e fazer mais do que viver esse presente mais que absoluto em que se tem tornado a política, pouco preocupada com o que virá no mandato seguinte, quanto mais no futuro. Aí, sim, talvez valha a pena falar de "juventude" sem parecer completamente cínico. Ou oportunista.

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