Fazer uma tatuagem ou um piercing é uma questão de moda para a maioria das pessoas. Imitar o amigo, uma celebridade, a capa da revista ou de um CD. Mas há uma pequena parte que prolonga a experiência pela vida, como forma de combater o carácter descartável que tendem a assumir os compromissos na actualidade. Exibir tatuagens ou piercings transforma-se numa forma de vida.."Se nunca tivesse visto ninguém com brincos, provavelmente também não os usava. E há telediscos de referências [...] No meu caso, fui buscar à música as tais inspirações, as tais influências. Foi a época em que fiz a minha primeira tatuagem, quando comecei a ver aqueles gajos com o piercing na mama, sobrancelhas, todos os tatuados", diz um fiel de armazém, 23 anos, 8.º ano. .As motivações não são muito diferentes das de uma professora do ensino secundário, 32 anos: "Fiz um piercing quando fui marcar uma tatuagem. Não ia fazer [...] Só que comecei a olhar para os brincos e tal, e pensei "eh pá, apetecia-me mesmo"! E acabei por fazer o piercing".."São pessoas que fazem isto por experiência. Jovens que fazem uma tatuagem ou um piercing e que ficam por aí. Têm por detrás motivações miméticas, de moda e de desafio pessoal", explica o sociólogo Vítor Sérgio Ferreira, cuja tese de doutoramento deu lugar ao livro Marcas que Demarcam, Tatuagem, body piercing e culturas juvenis, que hoje será lançado durante o X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga. .Constituem a grande clientela dos tatuadores e profissionais de body piercing. E, muitas vezes, escolhem o modelo por catálogo. O acto de marcar o corpo começa "por configurar uma experiência que desafia alguns tabus sensitivos (a consciência da dolorosidade) e sociais (a reminiscência do estigma), nem sempre chega à forma radicalizada de projecto extensivo, com contornos de procedimento ritual", escreve o sociólogo..Ou seja, se no primeiro caso estamos a falar em actos isolados, sem conotação política ou prática afirmativa, já no segundo, várias tatuagens ou um piercings significam "afirmação". Uma forma de ser diferente e que acaba por ser quase um vício. O desenho escolhido não é ao acaso, há preocupações com a assimetria e com a coerência dos desenhos.."Pode ter sido, se calhar, uma vontade de ser diferente, não ser como toda a gente e de tentar ter uma cena particular...", reconhece um estudante universitário, 20 anos. "É a imagem que eu quero ter, é a imagem que eu criei para me apresentar como pessoa", diz um tatuador, com 24 anos. E um electricista da construção civil, com 28 anos, explica: "A tatuagem vem desde pequenino [...] Pá, começou com o meu tio que tinha uma tatuagem dos comandos. É tio emprestado, mas pronto, cresci a ver aquilo. Depois a música fez tudo o resto", conta um electricista.."São jovens que estão próximos de subculturas, mas não é nenhum tipo de celebração ou de ritual de entrada. São contextos sociais mais favoráveis à integração deste tipo de corpos e projectos de identidade", sublinha Vítor Ferreira. O que acaba, também, por resultar numa forma de contestação à sociedade. "Tudo se usa e deita fora, muda-se frequentemente de emprego e os jovens estão a ser preparados para desempenhar papéis que não são consistentes. Estes jovens sente isso como uma espécie de corrupção de carácter e o projecto de corpo continuado acaba por ser uma forma de sobrevivência".|