Os jornalistas portugueses são apenas um grupo de amigos do Facebook?

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Acabei de ver nos canais televisivos as notícias sobre o final do 4.º Congresso dos Jornalistas. Fiquei a conhecer, com facilidade e detalhadamente, as dificuldades que as administrações e os acionistas defrontam para compatibilizar a quebra de receitas com jornalismo de qualidade e condições laborais dignas. Tive, porém, de vasculhar a box da TV até encontrar uma informação minimamente clara sobre o documento final, curto, aprovado por unanimidade no final dos trabalhos no São Jorge.

Nos jornais os relatos sobre o que lá se passou são muito melhores mas, mesmo assim, houve um (não, não foi o DN, foi o Correio da Manhã) que preferiu titular sobre o que disse o líder da ERC no debate de duas horas com patrões e Estado do que focar a peça no que os jornalistas concluíram em três dias.

Felizmente, como estive lá, não preciso de televisões ou de jornais. E se, por um lado, achei ótimo e esperançoso o ambiente geral dos debates bem como o resultado final, houve sinais que me preocuparam.

Planear apenas três horas para 300 ou 400 congressistas discutirem e aprovarem 50 propostas mais os 12 pontos da Resolução Final foi uma imprudência que ia dando cabo do congresso. O resultado foi uma discussão feia sobre a democraticidade do conclave e uma votação quase "às cegas" das propostas, que resultou em contradições provavelmente insanáveis nos documentos aprovados, nomeadamente em matéria de autorregulação.

Depois, uma boa parte da discussão nos três dias partiu de alguns pressupostos errados. Por exemplo, não é verdade para toda a gente que as receitas obtidas na internet não possam vir a ser, a médio prazo, suficientemente grandes para pagarem jornalismo digital de qualidade.

Sobre a precariedade laboral, a deontologia e a autorregulação, a discussão foi rica mas nela misturaram-se muitos preconceitos que me causaram repulsa.

No primeiro dia de debates houve uma espécie de "tiro ao alvo" aos diretores, sem possibilidade de defesa decente, que parecia partir do pressuposto de que eles estão todos ao serviço dos interesses das administrações contra os jornalistas.

Outro preconceito foi contra o Correio da Manhã, que secundarizou e tornou irrelevante os contributos enviados daquela redação ao congresso e que (não sei se por exclusão voluntária) esteve com o Jornal de Notícias sub-representado nos painéis de debate. Quase ignorar os jornais mais vendidos e que publicam o leque de noticiário mais diversificado de toda a impressa em papel (além do jornal dominante no Norte do país) é cegueira.

O Observador, por outro lado, esteve sobrerrepresentado mas foi sujeito a "sevícias" nos debates por ter uma linha editorial classificada de direita, como se ali fosse impossível haver jornalismo de qualidade.

E o anterior presidente do sindicato (não sou filiado), Alfredo Maia, o homem que literalmente salvou a estrutura da extinção, foi diversas vezes maltratado ao ponto de ter de ouvir esta frase, dita pela jornalista Anabela Neves, da SIC, "infelizmente o sindicato foi dominado muitos anos pelo PCP" (aqui sou filiado), como se o Alfredo Maia não tivesse ganho, legitimamente, sucessivos atos eleitorais ou como se o facto de ele ser do PCP o impedisse de ser bom dirigente para jornalistas.

Este nível de preconceito e de discussão, equivalente ao de um grupo de amigos no Facebook, fechado sobre si mesmo, ressabiado em velhas rivalidades e autista à realidade circundante, contaminou muitas vezes o congresso. Mas não o matou, porque a grandeza das pessoas ultrapassou as suas pequenas misérias. Foi bom.

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