Os janeiros de Montenegro
Como o governo não se cansa de mostrar, todos os políticos cometem erros. O que distingue uns dos outros é a capacidade de assumi-los - note-se o contraste entre Medina e Pedro Nuno - e, sobretudo, o que fazem depois de cometê-los. Todos os políticos erram, mas nem todos conseguem reconhecê-lo, superá-lo, corrigi-lo. Esta semana, ao indicar à sua bancada que se abstivesse na moção de censura, Luís Montenegro cometeu um erro. E isso era claro por um conjunto de razões.
A primeira: a roda livre do governo tinha ritmo tal que o PSD corria o risco de se abster em cima de mais um caso no executivo. E assim foi. Caiu Miguel Alves, foi Alexandra Reis, saiu Pedro Nuno e, no dia em que o PSD se absteve na censura, demitiu-se a recém-empossada secretária de Estado da Agricultura.
A segunda: a aversão da maioria socialista a aprovar audições fazia antever que o PS chumbaria os vários pedidos da oposição sobre o caso da indemnização na TAP. E assim foi. O que fez com que o PSD recusasse censurar um governo que acabara de chumbar as audições pedidas pelo PSD.
O erro, irremediavelmente, não se ficou pelas coincidências. A abstenção na moção de censura poderia ter sido incompreensível, mas inofensiva. O facto é que não foi. O PSD não recusou apenas votar favoravelmente uma moção de censura a um governo que perdeu 12 governantes em 9 meses; o PSD decidiu fazer campanha com isso. "Há uma maioria absoluta", "respeitamos o voto dos portugueses", "não pode haver uma crise política", proclamaram, esquecendo que, daqui até 2026, o Partido Socialista não dirá outra coisa sempre que se falar em eleições antecipadas. "Temos maioria absoluta", "respeitem o voto dos portugueses", "não pode haver uma crise política", responderão, citando o PSD.
Montenegro colou uma realidade (a moção de censura) a uma eventualidade que nunca dependeria de si (a dissolução do Parlamento). Rejeitando ambas, duplicou o erro. Por um lado, não censurou um governo que não merece outra coisa que não censura. Por outro, mostrou medo de enfrentar nas urnas um PS que, ouvindo o PSD nos últimos meses, estava "em fim de ciclo".
Deixou de estar, meus caros?
Como é mais do que evidente, a moção de censura da Iniciativa Liberal nunca poderia derrubar o governo. Um governo com maioria no Parlamento não é derrubado no Parlamento. A escolha desta semana não era entre ir a votos ou não; era entre censurar ou não. A estratégia do PSD visou confundir uma com a outra, de modo a conferir uma aura de moderação e responsabilidade a Luís Montenegro. Tal foi percetível na sua primeira aparição, ao não pedir a demissão do ministro das Finanças, focando-se antes em prioridades de governação, e nos dias que se seguiram.
O objetivo era tentador: usar os holofotes da crise política, não para desgastar o governo, mas para elevar Montenegro. Garantir que os ministros mais fragilizados - Medina e Maria do Céu Antunes - sobrevivem para que o governo se vá degradando, gradualmente, nas sondagens que não sorriem ao PSD. "Pesos mortos", chamou-lhes Luís Montenegro. "Lume brando", reconheceu António Costa.
Ora, a intenção era útil, mas ficou por concretizar; demasiado óbvia, demasiado tática. Se até Rui Rio votou a favor de uma moção de censura, em 2019, ninguém entende que seja Luís Montenegro, de todas as pessoas, a chefiar um PSD cuja mensagem é que "Costa deve continuar a governar". No final de contas, não só o governo e o ministro das Finanças resistiram à crise, como o líder da oposição passou por embaixador da continuidade do Partido Socialista.
Depois de uma revisão constitucional sem adesão, de um desconforto desnecessário com as opiniões de Passos Coelho e de uma inconsistência patente na relação com o Chega, que se apoiou para a mesa da Assembleia e se acusou de conluio com o presidente da Assembleia, Montenegro cometeu o seu primeiro erro.
Querendo não ter pressa, ficou para trás. Almejando autoridade, revelou vacilação.
Tem muito menos tempo do que o que parece.
Colunista