Os informáticos offshore

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Depois das mensagens comprometedoras que ocuparam uma parte do país, chegam-nos de repente os offshores nauseabundos. Haverá aqui uma ponte de saliva a ligar as duas histórias? Não sei, nem interessa muito. No caso Centeno-Domingues foi o PS a ficar pior; no outro, o mais recente, são o CDS-PP e o antigo secretário de Estado Paulo Núncio a ficarem desfocados. Que coincidência, logo o CDS, o partido de António Lobo Xavier, o conselheiro de Estado que ateou o rastilho que denunciou a pólvora embrulhada em sms. Tudo isto são ligações que eu estabeleço, não são certezas.

Neste mais recente caso - ou polémica, uma palavra tão banalizada e ainda assim tão usada por nós jornalistas - estamos a falar de 20 operações reportadas pelos bancos à autoridade fiscal, como era sua obrigação, totalizando dez mil milhões de euros, mas que não obtiveram a sequência devida. Não se trata de 20 movimentos bancários, são centenas deles, provavelmente milhares de transações - reunidas em 20 documentos - que não foram inspecionadas pelo fisco por causa de um lastimável problema informático que as tornou subitamente invisíveis.

Os mais cínicos dirão: oportunamente invisíveis. Como a lagarta que se transforma mais tarde em borboleta, o dinheiro, um certo tipo de dinheiro, tem sempre uma fase em que gosta de rastejar, só depois põe a cabeça de fora e abre as asas luxuosamente para que todos o vejam, talvez invejem - e é aí que podem chegar os problemas.

Mas antes disso, volto atrás, regresso ao problema informático que ocultou os dez mil milhões ou dez bi (de billions) como dizem os entendidos. Um problema informático - há que anos que eu não ouvia justificação tão patética, tão anos 90. Não há alarmes automáticos para estas coisas? Não há sistemas de tratamento e filtragem da documentação para impedir que desastres deste calibre possam acontecer? Estatisticamente, há poucos acidentes de avião porque há sistemas de segurança e reverificação escrupulosamente montados e seguidos por pilotos e engenheiros. Dez mil milhões não são dez tostões, não passam facilmente pelo buraco da agulha, não deveriam passar.

Imagino as primeiras justificações. O servidor que não funcionou como seria de esperar, o Windows e a compatibilidade, os vírus e a maldita língua de trapos de quem lida com estas coisas e raramente se faz entender. Já muitas vezes suspeitei: estes técnicos não se fazem compreender porque eles próprios não sabem do que estão a falar. Daí os desastres. Acontece o mesmo no jornalismo: notícias malucas que ninguém consegue perceber porque o jornalista não sabe rigorosamente nada do assunto sobre o qual está a discorrer.

Mas será isso? Uma falha técnica? Um apagão no fisco? Ignorância ou até desmazelo? Corrupção? Uma cegonha que fez o ninho mesmo em cima de dez mil milhões de euros? A Inspeção-Geral das Finanças vai fiscalizar, irá autopsiar computadores, talvez ouvir pessoal do fisco, Paulo Núncio terá de explicar-se - ser-se antigo governante em Portugal é também isto -, mas os 10 mil milhões entretanto já foram e as suspeitas já andam na rua, até porque envolvem transferência de capital para offshores.

Convém esclarecer que nem todos os offshores são horríveis e que falta perceber outros detalhes da história. Por exemplo, os bancos enviaram a informação para a autoridade fiscal e foi aqui que o rasto se perdeu. Mas convém não esquecer que existe um mecanismo paralelo de reporte a uma unidade da PJ e do Ministério Público - antes era ao Banco de Portugal - a que os bancos estão obrigados quando consideram que os movimentos de dinheiro têm origem suspeita. Do que se sabe, isso não aconteceu: as instituições financeiras não fizeram essa queixa ou se a fizeram a investigação não deu em nada. O dinheiro, portanto, parece ter origem limpa.

Resumindo: o ponto aqui é 1) saber se este capital pagou ou não os impostos devidos; 2) apurar responsabilidades técnicas e talvez políticas do processo; 3) verificar se o sistema informático deve ser revisto ou claramente melhorado, perante falhanço tão estrondoso; 4) por último, perceber o que levou o anterior governo a tornar menos transparente para o público o acompanhamento destes movimentos. Até agora, Paulo Núncio não deu uma explicação clara para decisão tão trágica que serviu de cortina para desenlace tão prejudicial. Quanto aos offshores, eles são um detalhe neste enredo.

P.S. - Agostinho Lopes, dirigente do Comité Central, respondeu no DN a uma coluna que eu escrevera em janeiro sobre as PME. Agradeço-lhe a frontalidade com que o fez, apesar de discordarmos.

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