Os incêndios e o algoritmo, esse patrono da felicidade

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Nas imagens das televisões pode constatar-se que os meios afetos ao combate aos incêndios que nos assolam no verão aumentaram substancialmente. Quando começa uma ignição vemos de imediato surgirem centenas de bombeiros e meios aéreos nos combates aos incêndios. E isso é bom! Mas imagino o dinheiro que não estará a ser gasto dos nossos impostos nesta logística. É assim em cada verão que vai passando pelas nossas vidas.

Contudo, no futuro, haverá que fazer uma reflexão profunda sobre o caminho que está ser seguido no combate aos incêndios. Quanto tempo mais, vamos ficar submersos numa lógica de combate aos incêndios no terreno? Quando é que o governo começa a pensar nos incêndios antes destes nos baterem à porta?

Após o incêndio de Pedrógão, nesse já longínquo verão de 2017, o governo veio desdobrar-se em afirmações, conferências de imprensa, declarações, prometendo medidas estruturais e uma reforma profunda da floresta. Pois bem, onde é que ela está e quais as suas consequências positivas? Este ano, à data em que nos encontramos, somos o quarto país com maior área ardida da Europa onde, desde Janeiro de 2022, já arderam 662.776 mil hectares de floresta. Certamente, números mais do que suficientes para que Bruxelas entenda esta questão, globalmente, e avance com medidas e dispositivos dimensionados a enfrentarem o problema a nível de todo o espaço europeu.

Em Portugal falta um Plano Estratégico para a Floresta Portuguesa que deveria ser construído com contributos da oposição. Por outro lado, deveriam introduzir-se alterações no modelo económico que está na origem dos incêndios. Exemplo disso é a cedência ao lobby das celuloses, originando o crescimento do eucaliptal por todo o país. Sim, posso, pessoalmente, constatar isso no Alentejo onde vou com frequência e assisto à ocupação de terras, anteriormente, dedicadas à agricultura e ao gado e hoje preenchidas por eucaliptos. Como de costume o governo é forte com os fracos e fraco com os fortes! A plantação de eucaliptos há muito que já ultrapassou o cultivo de pinheiros. Vamos ver, no futuro, o que vai acontecer nos terrenos ardidos de Ourém e Pombal e se os mesmos não virão a ser ocupados por eucaliptos?

Não existe um equilíbrio florestal em Portugal. Um Plano Florestal deveria compreender uma rigorosa distribuição de árvores no país com terrenos dedicados a folhosas (carvalhos, nogueiras e cerejeiras) mantendo controlado o espaço ocupado pelas resinosas (eucalipto e pinheiro). Mas não é isso que acontece e o eucalipto vai tomando conta da floresta.

Quanto aos incendiários continuam confrontados com penas leves pelos seus crimes. A legislação tarda em ser alterada no sentido de endurecimento das penas. Não chega a intenção (oportuna) da Policia Judiciária na construção de uma base de dados que globalize a informação sobre os incendiários. O Parlamento e o Governo devem promover uma alteração da legislação no sentido de tornar mais severas as penas aplicadas aos responsáveis pelos incêndios.

Por outro lado, o interior continua a desertificar-se. Os incentivos de fixação de empresas e pessoas no interior mostraram-se, francamente, insuficientes. Não passou de dez o número de funcionários públicos que aceitaram a transferência para zonas interiores do país. Quem é que quer mudar toda uma vida em troca de um "aumento do limite das deduções no IRS de 502 euros para 1000 euros"?
Ou, no caso das pequenas e médias empresas, "numa dedução de IRC de 12% para os primeiros 25 mil euros de matéria coletável" ?

Sempre a mesquinhez e a austeridade em medidas que deveriam ser generosas. Quando é que percebem que o que não gastam em medidas estruturais que vão ter um resultado palpável a longo prazo, vão gastar, em valores superiores, com o imediatismo dos inevitáveis gastos para salvar as situações. Tem sido assim com os incêndios, onde o governo com sete anos de existência já deveria estar a ver outros resultados se tivesse aplicado as medidas corretas, no momento certo. Ou seja, gastar na prevenção em vez de gastar no combate!

Seria também saudável para a democracia que em matéria de incêndios (e não só) o Executivo alterasse a sua narrativa de comunicação com os portugueses. Há uma afirmação que vai ficar nos anais deste verão. A propósito do incêndio que destruiu 26 mil hectares do precioso património florestal da Serra da Estrela, a secretária de Estado da Proteção Civil afirmou que " os algoritmos dizem que a área ardida que deveríamos ter devia ser 30 % superior". Pois claro, sejam felizes porque nos saiu o brinde. Arderam só 70 por cento! Um dia vamos querer conhecer esse algoritmo patrono da felicidade!


Jornalista

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