Os impasses do cinema político em Cannes
Para o melhor e para o pior, a 71.ª edição de Cannes ficará como a do retorno dos temas políticos. A conjuntura global assim o justifica (com os 50 anos de Maio de 68 a acrescentar um sugestivo peso simbólico). Spike Lee, com o prodigioso BlacKkKlansman, deu uma lição exemplar do que significa filmar politicamente a política (expressão antiga de Jean-Luc Godard, ligada, justamente, às convulsões de 1968). O mesmo não se poderá dizer do francês Stéphane Brizé que, em 2015, esteve presente no festival com A Lei do Mercado, drama laboral que valeu a Vincent Lindon um prémio de interpretação. Agora, em En Guerre, Lindon regressa no papel de líder dos trabalhadores de uma fábrica cujos patrões querem encerrar, lançando mais de mil pessoas no desemprego... Infelizmente, Brizé "formatou" a sua visão numa colagem de situações capazes de satisfazer algumas militâncias dos tempos que correm, mas cinematograficamente esquemática e redundante.
Da mesma banalidade formalista padece Under the Silver Lake, do americano David Robert Mitchell, nosso conhecido através do filme de terror Vai Seguir-te (2014). Acompanhamos a saga de um jovem (Andrew Garfield) perdido em cenários de Los Angeles, num tom de "realismo onírico" que parece querer imitar o estilo de David Lynch, o que, em boa verdade, só agrava a sua menoridade.
Registe-se, por isso, a serena competência de Euforia (secção Un Certain Regard), segunda longa-metragem realizada pela atriz italiana Valeria Golino: um retrato íntimo de uma crise familiar centrada em dois irmãos, um deles viciado em diversas substâncias tóxicas, outro atingido por uma doença terminal. O segredo? Acreditar nas suas personagens e, já agora, contar com magníficos atores como Riccardo Scamarcio e Valerio Mastandrea.