Os humanos que criam o universo fantástico de Varekai
De leggins e camisola justinha pretas, como cabelo enrolado no alto da cabeça e sem qualquer maquilhagem, a russa Darina torce e contorce o corpo nas mais diversas figuras acrobáticas. Em cima de uma espécie de estaca, enquanto o pedaço de palco que ocupa gira. Mais logo, no primeiro de 15 espetáculos que o Cirque du Soleil apresenta em Lisboa até 15 de janeiro, não vai parecer tão humana como ontem durante os treinos a que o DN assistiu.
Após uma hora de maquilhagem e com os diferentes fatos que envergará durante o espetáculo de duas horas (com intervalo), envolvida por música tocada ao vivo por sete elementos e o desenho de luz que dá um ar irreal à floresta encantada em que se desenrola este espetáculo, Darina, tal como os outros 50 artistas de Varekai, parecerá mais uma figura fantástica, saída de um universo sobrenatural. Um universo onde Ícaro (o porto-riquenho Fernando) "aterra" depois de perder as asas. E onde The Fallen Angel (o brasileiro Rafael) o ajuda a adaptar-se à sua nova vida, sem asas. Um universo onde Ícaro conhece Promise (Darina) e sim, apaixonam-se. Ele descobre uma nova vida, ela transforma-se. E sim, é uma história simples, cheia de esperança, que se passa em Varekai ("onde quer que seja", numa tradução livre para português). Onde o grande desafio de Bruno Darmagnac é juntar tantos detalhes quanto possível para clarificar a história "que tem de ser compreendida, sem o uso de palavras, tanto por crianças como por idosos, de todas as nacionalidades".
Aliás, o diretor artístico garante: "no final do espetáculo, o que me deixaria contente era que houvesse tantas interpretações da história quantos espectadores". E para quem já viu Varekai em tenda, quando em 2009 visitou Lisboa, Bruno Darmagnac assegura: "Perde-se em intimidade mas ganha-se na força projetada pelos artistas."
Saltimbanco, Alegria e Kurios são espetáculos da companhia canadiana nos quais trabalhou antes. E seguindo a política do Cirque du Soleil de mudança de diretor artístico dos espetáculos a cada três anos, "para dar um olhar renovado e fresco", Bruno Darmagnac juntou-se no verão à tournée europeia de Varekai, espetáculo criado em 2002, e que já foi visto por mais de dez milhões de pessoas nas 130 cidades de 23 países onde já foi apresentado.
A rotina parece ser mesmo algo que companhia e artistas tentam evitar a todo o custo. O porto-riquenho Fernando aponta exatamente isso como o maior desafio que tem de vencer a cada espetáculo. Há dois anos a desempenhar o papel de Ícaro, confessa: "É difícil manter um olhar fresco, não cair na rotina. E não posso mesmo cair na rotina. Como Ícaro, tenho a responsabilidade de contar a história da minha personagem, que está em constante luta (não posso sorrir, mesmo que esteja a gostar muito do que estou a fazer ou feliz com a reação do público) e o meu número inclui várias disciplinas: rede aérea, acrobacia, contorção, dança." Com 29 anos, esta é sua terceira participação num espetáculo do Cirque du Soleil, depois de se ter estreado em Believe, no Hotel Luxor, em Las Vegas, e ter participado no Michael Jackson The Immortal World Tour.
Já o brasileiro Rafael faz neste espetáculo a sua estreia na companhia canadiana fundada na cidade canadiana do Québec em 1984 por Guy Laliberté. Praticante de capoeira desde os 9 anos, profissionalizou-se como breakdancer durante a adolescência e chegou à atual sede do Cirque du Soleil, em Montreal, no final de 2010.
"A ideia era fazer um estágio de três meses e integrar o elenco. Mas desafiaram-me para fazer o meu número não com as muletas normais, mas as usadas pelo primeiro artista que fez esse número, daquelas que assentam debaixo do braço. Foram sete meses muito duros, mas valeu a pena. Nunca pensei ter uma personagem tão perfeita para mim, onde posso juntar em palco as minhas raízes da capoeira e das acrobacias de rua."
O brasileiro não é o único artista a falar português entre a equipa de cerca de 100 pessoas de 19 nacionalidades que viaja com o Varekai. O técnico de som Fernando Cardoso estará em casa nos próximos dias, ele que em 2012 estava em plena Aula Magna, a trabalhar no espetáculo de apresentação do álbum New Generation dos Blasted Mechanism, quando recebeu o telefonema de um técnico de som português que fazia parte da equipa do Quidam para saber se no dia seguinte poderia estar em Turim para substituir um outro técnico que se tinha aleijado. Foi e desta experiência destaca a grande ligação entre a produção e a equipa de som, "algo que raramente acontece em concertos", explica. "Quando chega a hora de decidir alguma coisa, é sempre mais fácil porque temos todos o mesmo emblema ao peito, o do Cirque du Soleil."
Informação útil
Varekai - Cirque du Soleil
Meo Arena, Lisboa
Até 15 de janeiro (exceto dia 9); Dias de semana às 21.30, com uma edição extra, às 18.00, de sexta-feira dia 13; sábados e domingo, dia 8, às 18.00 e às 21.30; domingo, dia 15, às 14.30 e às 18.00
Bilhetes entre 37 euros e 78 euros