Os homens e o poder segundo Sokurov

Os filmes da tetralogia do poder, de Aleksandr Sokurov, são alguns dos imperdíveis do Verão Russo, no Cinema Nimas, em Lisboa
Publicado a
Atualizado a

É sobejamente conhecida a frase de Aleksandr Sokurov acerca dos seus três primeiros filmes (de um conjunto de quatro) à volta do conceito de poder: "As qualidades humanas e o caráter são mais elevados do que qualquer situação histórica - mais elevados e mais fortes." Assim fala um cineasta em fuga dos equívocos, perante o risco de se considerar que esta chamada Tetralogia do Poder (ou do Mal) se tratasse de um estudo cumulativo das figuras despóticas de Adolf Hitler, Lenine e do imperador japonês Hirohito, fechando-se a série com uma inspiração literária - o Fausto, de Goethe.

Nesse sentido, ao retrato político e a qualquer circunstância histórica opõe-se uma configuração íntima das personagens, que dissocia o homem do mito. A Sokurov interessa somente o homem.

Descobrir ou revisitar esses quatro momentos da filmografia do cineasta, além de outros títulos, como o esplendoroso Mãe e Filho (1997), é o que nos propõe o ciclo Um Verão Russo, a decorrer no Espaço Nimas em Lisboa. Já na próxima segunda-feira, é exibido Tauros (2001), o segundo da tetralogia, que envereda pela bruma dos últimos dias de Lenine, visitado por Estaline, e entregue a uma apatia de espírito que se funde com o lugar onde se encontra, de aparência museológica. Dir-se-ia que os planos deste filme acabam mesmo por se converter em quadros impressionistas, na vertigem de uma desintegração que começa na mente do ex-líder soviético.

Pela ordem do ciclo, da Rússia passamos para a Alemanha, com Moloch (1999) - que é mostrado no dia 29 - o primeiro dos títulos desta sucessão de figuras de poder do século XX, e que deita o olhar sobre um fim de semana de Hitler, na sua casa de campo (Berghof) na Baviera, em companhia da amante Eva Braun, e dos cães de fila Joseph Goebbels e Martin Bormann. O ano é 1942, pouco antes da derrota alemã em Estalinegrado, mas, como sublinhávamos atrás, não é o contexto histórico que orienta Sokurov - antes um delirante retrato psicológico.

Vencedor do Leão de Ouro em Veneza, Fausto (2011), sobre o alquimista que vendeu a alma ao diabo por uma noite com uma mulher, é o derradeiro filme da tetralogia (dia 31), plasticamente sumptuoso, e a marcar o encontro com a literatura que dá um ponto final metafórico nesta sequência de homens reais. Finalmente, O Sol (2005) dá-nos o raiar do humanismo do imperador Hirohito que, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, apelou ao fim da resistência japonesa. Esta é, porventura, a mais meticulosa das viagens à interioridade de um líder, de rosto frágil e alma em oração crepuscular.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt