A palavra "genocídio", do grego génos- (raça) e do latim -cidíum (ação de quem mata), foi cunhada depois da II Guerra Mundial para designar as atrocidades cometidas pelo regime nazi contra os judeus. Mas o facto de a palavra não existir até então, não significa que tal ato não tivesse ocorrido antes. Mais de um século depois de ter respondido às revoltas das etnias Herero e Nama, na atual Namíbia, com uma ordem de extermínio que causou a morte a pelo menos 75 mil pessoas, a Alemanha, antiga potência colonial, reconheceu que cometeu genocídio. Berlim está a preparar-se para pedir desculpas e apoiar o país com um programa financeiro de 1,1 mil milhões de euros.."À luz da responsabilidade histórica e moral da Alemanha, vamos pedir perdão à Namíbia e aos descendentes das vítimas", disse em comunicado o chefe da diplomacia alemã, Heiko Maas. "O nosso objetivo era e é encontrar um caminho conjunto para uma reconciliação genuína em memória das vítimas", acrescentou. "Tal inclui chamar os acontecimentos da era colonial na atual Namíbia, e particularmente as atrocidades entre 1904 e 1908, impiedosamente e sem eufemismos. Vamos a partir de agora apelidar esses eventos do que foram da perspetiva atual: um genocídio.".O Sudoeste Africano Alemão foi uma colónia da Alemanha de 1884 a 1915, quando passou para o controlo da África do Sul até se tornar na independente República da Namíbia em 1990. Os Herero, um dos povos Bantu, eram tradicionalmente criadores de gado e estavam na região desde o século XV. Em janeiro de 1904, liderados por Samuel Maharero (um dos heróis do país), lançaram uma revolta contra os colonos alemães, que lhes roubavam terras, gado e mulheres..Em poucos dias, os guerrilheiros mataram mais de uma centena de civis alemães. A Alemanha respondeu com força e derrotou-os na batalha de Waterberg em agosto, obrigando 80 mil a fugir em direção ao Botswana, através do deserto do Kalahari. Só 15 mil sobreviveram. Em outubro, viria a ordem de extermínio do general Lothar von Trotha, sob o comando direto do kaiser Guilherme II. "Dentro das fronteiras alemãs, todos os Herero, com ou sem armas, com ou sem gado, vão ser mortos a tiro.".Os que sobreviveram foram enviados para campos de concentração, junto com os Nama (outra etnia de criadores de gado, oriunda da África do Sul) que, sob a liderança de Hendrik Witbooi (outro herói na Namíbia), se juntaram oficialmente à revolta em 1905. Até 1908, estima-se que 65 mil Herero e 10 mil Nama tenham morrido. Os historiadores há muito falam que foi "o primeiro genocídio do séc. XX"..A juntar ao extermínio, centenas de Herero e Nama foram decapitados e os seus crânios enviados para Berlim, para que fossem feitas experiências destinada a provar a teoria racista há muito desacreditada da superioridade dos brancos sobre os negros. Os crânios acabaram em museus ou universidades, com a Alemanha a devolvê-los à Namíbia só a partir de 2011..Em 2004, numa visita à Namíbia, a então ministra alemã para o Desenvolvimento, Heidemarie Wieczorek-Zeul, apresentou as primeiras desculpas, dizendo que o que aconteceu "hoje seria considerado genocídio". Mas só agora, e depois de cinco anos de negociações formais, é que foi alcançado um acordo em relação ao que aconteceu.."A aceitação por parte da Alemanha de que foi cometido um genocídio é um primeiro passo na direção correta", disse à AFP o porta-voz do presidente Hage Geingob da Namíbia. "É a base para o segundo passo, que é um pedido de desculpas, seguido de reparações", acrescentou Alfredo Hengari. Esse pedido oficial de desculpas deverá ser proferido pelo presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, diante do parlamento namibiano. Antes disso, Maas irá assinar o acordo que foi negociado ao longo de cinco anos numa visita, no princípio de junho, a Windhoek. Este tem que ser depois aprovado pelos deputados de ambos os países..O problema é que nem todos estão convencidos, a começar pelos Herero e Nama, com alguns dos seus representantes a criticar o facto de não terem participado nas negociações e de o acordo não incluir compensações diretas. Deputados da oposição também acham o acordo "insultuoso", nomeadamente por causa das reparações..O programa financeiro previsto de 1,1 mil milhões de euros, ao longo de 30 anos, será mais um pacote de ajuda ao desenvolvimento, devendo ser gasto na reforma agrária, incluindo a compra de terras que pertenceram às duas etnias, assim como em melhorar as infraestruturas rurais, o fornecimento de água e a educação das comunidades..Mas a declaração de Maas não fala em "reparações" ou "compensações", com a Alemanha a defender que a admissão de que houve um genocídio não poderá dar lugar a reivindicações legais, acreditando que a sua responsabilidade é moral e política, não legal..susana.f.salvador@dn.pt