"Os governantes não são utentes do SNS e desconhecem a realidade"

António Arnaut, Autor da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi ontem homenageado em Coimbra. Ao DN fala dos desafios e do que é preciso mudar
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O SNS tem 37 anos e enfrentou vários desafios...

Mas saiu de todos vitorioso. O primeiro foi ser aprovado na Assembleia da República. Existiam forças políticas hostis - PSD e CDS - mas foi aprovado com os votos da esquerda. O segundo foi fazer, ao longo dos anos, que os grupos que o hostilizavam se tenham rendido. Viram que mudou a vida de muitos portugueses com as condições de acesso à saúde e a qualidade que lhes deu. O terceiro desafio foi o neoliberalismo, entendem que o Estado não tem de garantir a saúde e a educação. Nós vencemos esse desafio. O SNS não é uma questão ideológica, é uma questão de ética e de solidariedade.

É apelidado de pai do SNS. Como vê a sua evolução?

Atravessou governos de direita e alguns socialistas que o foram amputando. Dizem que sou o pai do SNS porque criei a lei. Fico sensibilizado, mas o que lhe tem valido é a mãe, que é a Constituição da República. Se virmos os indicadores sanitários, está tudo dito. Hoje é consensual que significa coesão social. Quem não o frequente não sabe nem sonha. É o grande contributo de solidariedade. Salvou muita gente. Eu não estaria vivo se não fosse o SNS. Tenho enfrentado uma doença complicada, com tratamentos onerosos que não podia pagar.

Os médicos contestam os cortes nos cuidados, no pagamento das horas extraordinárias, no recurso a empresas, e acabam por sair para o privado ou para o estrangeiro...

A humanização está ligada à sustentabilidade. É necessário criar condições para os profissionais trabalharem com dignidade, estabilidade, formação permanente, em equipa. Faz-se criando condições para uma carreira de adesão facultativa destinada àqueles que optem por dedicação exclusiva. Uma carreira especial equivalente à função pública com estas garantias. O grande problema seria a remuneração. Seria igual à dos magistrados. Porquê a comparação? Porque estão em dedicação exclusiva. É isto que deve ser feito. É claro que também passa pelo esforço do Orçamento de Estado. Se houvesse dedicação exclusiva não haveria necessidade de tantas horas extraordinárias nem seria preciso tanto orçamento. Acabava com os contratos precários e aos fins de semana para tapar buracos. Os médicos são explorados pelas empresas intermediárias. Temos de encarar com coragem o problema das carreiras no SNS. Os governantes em regra não são utentes do SNS e isso fá--los desconhecer a realidade. Outros são pressionados por interesses económicos, às vezes invisíveis. Se o SNS for abaixo não há Estado social, e sem isso não há democracia.

Quais os desafios para o futuro?

É o governo cumprir o que tem no programa. Criou o Conselho Nacional de Saúde, o grande objetivo estrutural é a carreira médica e a humanização. Ou seja, fazer que todas as pessoas tenham um médico em tempo útil. As consultas não podem ser de 15 minutos, isso é a desumanização. Só quero que o governo faça o que pode. O governo tem de garantir o défice financeiro à Europa, mas também de atender ao défice dos direitos sociais.

O atual ministro da Saúde saberá atender aos direitos sociais e enfrentar pressões?

O ministro tem essa capacidade. É médico, já foi gestor de um grande hospital público, tem uma grande sensibilidade social. Confio. O apelo que deixo é que façam tudo o que puderem para aperfeiçoar o Serviço Nacional de Saúde.

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