Os gatos também falam espanhol
Não poderia haver objecto mais sintomático da teia económica, tecnológica e cultural em que, hoje em dia, vive a indústria cinematográfica. O Gato das Botas é uma revisitação de uma das personagens mais lendárias das fábulas do francês Charles Perrault, cuja edição original data de 1697. Em todo o caso, o seu protagonismo decorre do facto de ter readquirido especial notoriedade como figura do filme de animação Shrek 2 (2004). Além do mais, sendo uma produção com chancela do departamento de animação da DreamWorks, um dos grandes estúdios de Hollywood, O Gato das Botas foi, em grande parte, executado na Índia, ao abrigo do acordo de produção estabelecido entre a DreamWorks e a Technicolor India.
Enfim, o muito francês felino (Le Chat Botté, no original) surge recriado numa versão alegremente hispânica, sustentada pelo subtil trabalho das vozes do espanhol Antonio Banderas (Gato) e da mexicana Salma Hayek (Kitty).
Os desenhos animados tornaram-se, de facto, uma das mais poderosas linguagens planetárias do cinema e, de um modo geral, do audiovisual. Este é um fenómeno que, com a evolução das últimas duas décadas (sobretudo depois do impacto de O Rei Leão, em 1994), se transformou numa das bandeiras da digitalização do cinema. E não deixa de ser surpreendente que O Gato das Botas consiga preservar o essencial, ou seja, o sabor primitivo da fábula e das aventuras que a sustentam. A proeza é tanto mais interessante quanto, por uma vez, o 3D é aplicado de forma criteriosa e inteligente, valorizando o sentido dramático dos espaços. É bem provável que Perrault tenha dado uma volta no túmulo, mas os resultados provam que o seu felino tem mesmo sete vidas, uma delas digital.