Os futuros presidiários
Quem perdoa é Deus, quem deixa passar é torniquete, quem tem dó é viola, quem dá refresco é Tang, quem tem pena é galinha, quem come mosca é sapo, quem alivia é Aspirina, quem deixa passar em branco é borracha, quem deixa barato é black friday", escreveu no Twitter o deputado federal Marcelo Calero.
Ministro da Cultura no governo de Michel Temer e oposição ao governo cessante, o político terminou o seu pitoresco post com a seguinte conclusão: "Por tudo isso, Bolsonaro não será amnistiado".
Para o próximo ministro da Justiça, Flávio Dino, "crimes que estejam ainda em apuração, sejam de quem for, inclusive do ex-presidente da República ou de ex-ministros, ex-parlamentares que infelizmente foram levados a desatinos, serão apurados".
"Não há no mundo cósmico e nem no mundo jurídico uma espécie de amnistia mágica", concluiu, em conversa com o portal UOL.
O candidato derrotado nas urnas a 30 de outubro, de acordo com as palavras mais expressivas de Calero ou as mais diretas de Dino, tem um futuro jurídico sombrio - por alguma razão, além de salário chorudo e mansão, Bolsonaro pediu advogados de peso ao presidente do seu partido.
Enquanto esteve no Palácio do Planalto, Bolsonaro só poderia, por lei, ser denunciado pelo procurador-geral da República, o servil Augusto Aras, ou a subprocuradora, a fanática bolsonarista Lindôra Araújo.
Com essa dupla de "zagueiros" a protegê-lo, os crimes, por exemplo, de charlatanismo, de prevaricação, de emprego irregular de verbas públicas, de epidemia com resultado de morte e de infração de medida sanitária preventiva relatados na CPI da covid acabaram desviados para canto. Essa bola volta agora para o campo da Justiça.
Por outro lado, com a perda do foro privilegiado por já não desempenhar cargos públicos, as investigações de supostos crimes eleitorais, como uso da máquina pública na campanha eleitoral e a formação de uma teia de fake news, passam agora para as mãos de juízes, escolhidos aleatoriamente, de primeira instância.
Por falar em fake news, Carlos Bolsonaro, o filho 02, é investigado por ser o eixo do esquema. E é suspeito ainda de rachadinhas, o desvio para o próprio bolso do salário de assessores.
As rachadinhas, entretanto, são o principal dos (muitos) problemas que Flávio Bolsonaro, o filho 01, suspeito de comandar organização criminosa abastecida pelos salários dos assessores depois lavados numa loja de chocolates da qual é sócio, enfrenta.
O 03, Eduardo, é acusado de organização criminosa digital e de ter ameaçado o país com a implantação de um ato da ditadura, o AI5, que instituiu a censura e a tortura no final dos Anos 60 no Brasil.
Os três, ao contrário do pai, ainda mantêm imunidade por terem cargos eletivos. Mas que não dura para sempre. Inimigos de Bolsonaro já o comparam, maldosamente, a Ugolino della Gherardesca, o nobre italiano do século XIII imortalizado no último dos Anéis do Inferno, por Dante, e em litogravura do português Domingos Sequeira: não bastasse ter sido condenado a morrer de fome, numa cela, ainda teve os filhos como companheiros de cárcere e de desnutrição.
"O mundo não gira, capota", diz-se no Brasil. Ao longo da campanha eleitoral, o vencedor, Lula da Silva, foi chamado pelos membros do clã Bolsonaro de "ex-presidiário"; os membros do clã Bolsonaro têm tudo para serem chamados, já hoje, de futuros presidiários.
Jornalista, correspondente em São Paulo