Os euros estão no título – e não é neste
Somos 230 deputados e, por vezes, a realidade está demasiado longe de nós. Principalmente quanto aos euros que não chegam a quem a eles se candidata, ou que não existem. Mas é meu dever trazer realidade a uma discussão que até agora temos permitido que seja abstrata. Vou tentar fazer uma cronologia - talvez a palavra certa seja necrologia - sobre o tempo que dista entre a promessa de um euro e a respetiva entrada na conta de uma empresa.
Fase zero: neste passo, o governo faz uma conferência de imprensa, anuncia um conjunto de novos programas, explica que os concursos chegarão em breve e os jornais fazem a notícia: "X milhões da Europa".
Vamos ao próximo passo. Sendo que entre o passo zero e um distam, normalmente, três a seis meses.
Fase um: lançam-se os concursos. São lançados através da publicação de avisos de abertura de concurso, populado por siglas que só burocratas do planeamento conseguem perceber.
Fase dois: interessado na promessa de um apoio, o empresário contrata um "tradutor", para entender o que realmente o governo quer anunciar: chamam-se consultoras. São estas que, na verdade, vão preencher um dossiê de candidatura com as palavras capazes de deleitar os técnicos do planeamento. Este trabalho não é de borla, e a promessa já começou a custar dinheiro.
Fase três: a saída dos resultados. Ninguém sabe quando saem. Ninguém. Tal como na justiça, ou na relação com a Autoridade Tributária, os prazos só contam para os cidadãos.
O Estado atrasa-se e nós entendemos: "os serviços não estão a ter capacidade para dar resposta".
Esta fase tanto pode demorar seis, nove ou 12 meses.
Fase quatro: a candidatura foi aprovada. Chega a fatura da consultora. Agora sim, chegou a altura de investir. Contacta-se então, novamente, a consultora para que se possa fazer o primeiro pedido de pagamento. Submete-se e espera-se até que o primeiro euro possa chegar. Nesta fase, pode-se estar à espera dois a três meses.
Vamos a contas. Entre o título do jornal e a chegada do primeiro euro às empresas pode distar um ano a dois anos. Não é difícil perceber que as únicas instituições às quais isto não incomoda são também aquelas que recebem mais fundos europeus - o setor público.
E, agora, o caro leitor pergunta-se: quem são os vencedores e os vencidos desta batalha de papelada?
Do lado da vitória está o governo, "os planeadores" e as consultoras. Do lado dos vencidos estão os pequenos e médios empresários. Mas não faz mal, são poucos e os focus groups contratados pelo governo dizem que não são, eleitoralmente, relevantes para o PS.
Os euros não estão só no título do jornal, mas a vitória do PS está no papel, dos jornais, que na fase zero já nos anunciaram os milhões que aí vêm.
Já agora, reflita comigo: se até então só conseguimos executar cerca de metade do PT 2020, como vamos conseguir executar o PRR em tão menos tempo? Mais uma vez, isso pouco importa para o governo, pois os milhões já saíram no título e não é neste.
Deputada do PSD