Os escolhos de Sophie
Se todas as análises se reconduzissem a índices de popularidade, Sophie Marceau - nome completo e verdadeiro, Sophie Danièle Sylvie Maupu - dificilmente daria hipóteses às suas contemporâneas e compatriotas Sandrine Bonnaire e Emmanuelle Béart, também duas filhas destacadas da década de 1960 que dão cartas no mundo no cinema.
No entanto, se os pontos de partida forem a gestão de carreira e a presença em obras maiores, talvez o desfecho se revele diferente: basta revermos os últimos dez anos para ganharmos consciência de que Sophie desperdiçou talento e trabalho em comédias menores e em thrillers falhos de entusiasmo. Com duas exceções: LOL - Laughing Out Loud (2008), de Liza Azuelos - o filme em que La Marceau participa que alcançou a maior receita de bilheteira em França desde os já distantes A Primeira Festa e Depois da Festa, ou La Boum, 1 e 2, rodados quando Sophie tinha 14 e 16 anos, respetivamente - e A Felicidade nunca Vem Só (2012), de James Huth.
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Aos poucos, foram caindo por terra as perspetivas construídas nos anos de arranque do percurso de uma atriz "acidental", descoberta pelo realizador Claude Pinoteau num casting que procurava caras novas e rapidamente transformada em estrela, pelo êxito (tanto La Boum como a sequela ultrapassaram os quatro milhões de espectadores, só em França) e pelo desempenho - Marceau ganhou o César (prémio maior do cinema francês) para revelação feminina com o segundo filme da série.
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Nos anos seguintes, ela ombreava com Gerard Depardieu, Jean-Paul Belmondo ou Philippe Noiret, sendo dirigida por alguns dos nomes mais sólidos da Sétima Arte francesa, como Alain Corneau, Georges Lautner, Maurice Pialat, Philippe De Broca ou Bertrand Tavernier. Em 1995, ainda antes de se tornar uma trintona, dividiu-se por um premiado campeão de vendas, Braveheart, O Desafio do Guerreiro, de e com Mel Gibson, e por um filme de culto que satisfez as exigências dos estetas, Para Além das Nuvens, de Michelangelo Antonioni e Wim Wenders. Daí para cá, e apesar de ter feito a cabeça em água a Pierce Brosnan, encarnando a vilã de 007 - O Mundo não Chega, a maléfica Elektra King, a parada baixou substancialmente, se buscarmos pontos de referência indiscutíveis na sua carreira.
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Polémica e corajosa
Cresceu e multiplicou-se a ideia de que Sophie Marceau aplica, em número exagerado de situações, um "feitio difícil", suscetível de a conduzir a choques frontais com produtores e realizadores. Que venha a estrela, atriz, cantora, artista em geral, que o não manifeste de vez em quando - e que atire a primeira pedra. Neste caso, dir-se-ia que a mulher, obrigada a crescer depressa em função do êxito juvenil e de uma série de escolhas que se revelaram escolhos, adotou a medida (saudável, mas com consequências) de não engolir sapos.
Marceau foi muito criticada quando se apaixonou e foi viver com o cineasta polaco (nascido na Ucrânia) Andrzej Zulawski, cuja carreira em França passou sempre pela exaltação das atrizes - Romy Schneider, Isabelle Adjani, Valérie Kaprisky e... Sophie Marceau. Zulawski, que morreu em fevereiro deste ano, era 26 anos mais velho do que Marceau e acabou por dirigi-la em nada menos de quatro filmes (A Raiva do Amor, baseado numa história de Dostoiévski, As Minhas Noites São mais Belas do Que os Vossos Dias, a partir de um livro de Raphaele Billetdoux, La Note Bleue, que narra os últimos dias de Chopin, e A Infidelidade), estreados entre 1985 e 2000. A relação entre ambos, de que resultou um filho, Vincent, durou de 1984 a 2001...
Há mais uma criança, Juliette, na vida de Sophie: nasce da sua relação com o produtor Jim Lemley, que termina de forma estrepitosa quando a atriz se deixa enredar pelos encantos de Christophe Lambert, ator que deixara bem para trás os anos de glória (os de Greystoke - A Lenda de Tarzan, O Rei da Selva, Subterrâneo, Duelo Imortal e O Siciliano), ligação que termina em 2014. Pelo meio, Sophie tenta a música, chegando a gravar (sem grande resposta do público) um álbum, Certitude. Com uma ironia incontornável: o letrista de serviço é Etienne Roda-Gil, parceiro habitual de Julien Clerc que, por sua vez, é nada mais nada menos do que o cantor que Marceau quis processar, na sequência de uma referência explícita aos seus seios na canção Assez Assez. O episódio azedou mesmo até que o cantor pediu desculpas públicas. Marceau também publicou um livro, Menteuse, romance com uma forte componente autobiográfica.
Já depois da viragem do século, Sophie Marceau realiza duas longas-metragens, Parlez-Moi d"Amour, com os atores Judith Godrèche e Niels Arestrup, filme que ganha o prémio de realização no festival de Montreal, e La Disparue de Deauville, que protagoniza a meias com Lambert.
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Mais curiosa deve ser a sua última obra, uma curta-metragem chamada Sophie Marceau Piège des Paparazzis (à letra: Sophie Marceau armadilha os paparazzi). Pelo título, percebe-se que continua a tentar resolver os seus problemas sem desculpas. A esse respeito, há quem não se esqueça da sua atitude, em 2008, quando foi convidada para uma entrevista a propósito do filme Mulheres de Guerra, de Jean-Paul Salomé, que narra o destino de um grupo de resistentes ao nazismo. Já nos estúdios da TF1, a atriz soube que outro dos convidados da emissão que se preparava para a receber era Jean-Marie Le Pen, o homem da Frente Nacional. Marceau não fez por menos: levantou-se e foi-se embora.
Dir-se-ia que, ao menos neste caso, fez a escolha certa. Faz hoje 50 anos e, certamente, esse episódio não figura entre aqueles de que possa ou deva arrepender-se.