Theresa May deixa esta sexta-feira a liderança do Partido Conservador. Os deputados, em primeira instância, e os militantes em geral, depois, vão escolher o próximo líder entre 11 pessoas. Isto se até dia 10, a data-limite, não surgirem mais candidaturas. A pessoa que pegar no partido irá então submeter-se a um voto de confiança na Câmara dos Comuns e só depois Theresa May apresentará à rainha a sua demissão..Quem quer que seja, de Andrea Leadsom a Sam Gyimah, passando pelo favorito Boris Johnson, o próximo chefe dos tories não deve cometer os maiores erros de Theresa May..Perder a maioria parlamentar.Em abril de 2017, no mês seguinte a ter desencadeado o Artigo 50.º do Tratado de Lisboa (o processo de retirada da União Europeia), a primeira-ministra surpreendeu ao anunciar eleições antecipadas. Como não tinha sido eleita primeira-ministra, mas David Cameron, que se demitira na sequência do resultado do referendo, o objetivo seria o de reforçar a sua posição, quer ao nível interno quer externo, para as negociações que se avizinhariam. Mas o tiro saiu pela culatra. Os conservadores perderam 13 lugares na Câmara dos Comuns e com isso a maioria parlamentar, o que a obrigou a um acordo de incidência parlamentar com o Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte..Se o tema do Brexit já se antevia complexo e gerador de divisões dentro do próprio partido (no referendo Theresa May fez campanha pela permanência na UE), pior ficou ao tornar-se dependente da intransigência de um pequeno partido eurocético e que não aceita o acordo de retirada assinado entre o governo e Bruxelas. O pomo da discórdia é o mecanismo de salvaguarda (backstop), a aplicar se findo o período de transição não houver um acordo sobre as relações futuras entre Reino Unido e UE. O mecanismo prevê, como alternativa a uma fronteira entre a República da Irlanda e a província britânica da Irlanda do Norte, a aplicação de regras da UE na Irlanda do Norte, o que é visto pelo DUP como uma fronteira no mar da Irlanda..Ter um discurso divisivo....No discurso em que apresentou a demissão de líder dos conservadores, Theresa May disse que teve esperança em ser uma primeira-ministra "para todos e em honrar o resultado do referendo da UE". O campo era já minado, uma vez que a votação no referendo mostrou um país dividido (52% votou pela saída, 48% pela permanência). Mais minado ficou pela mensagem que fez passar pouco depois de chegar ao poder. No congresso do partido, advogou uma política a favor de um hard Brexit, ou seja, pelo fim do mercado único, da livre circulação de pessoas e da alçada do Tribunal de Justiça da UE. Mais tarde defendeu ainda a saída da união aduaneira. Além de limitar as relações futuras com o bloco europeu ao gosto dos brexiteers,.May foi ainda autora de discursos que caíram muito mal entre o eleitorado. "Se vocês acreditam que são cidadãos do mundo, são cidadãos de nenhures. Não compreendem o que cidadania significa" é exemplo. O liberal-democrata Vince Cable respondeu: "Penso que essa frase em especial é muito perversa. Podia ter sido extraída do Mein Kampf", disse ao New Statesman ..... E favorável à saída sem acordo.Os discursos de peito feito que antecederam as negociações tiveram ainda outra declinação. Theresa May repetiu uma e outra vez que "não ter acordo é melhor do que um mau acordo". É certo que também reiterou que, sem acordo, o mais certo era não haver Brexit. E mais recentemente explicou que usou o no deal "em abstrato". Mas a mensagem, do agrado da fação pró-Brexit a qualquer custo dos conservadores, bem como do populista Nigel Farage, entranhou-se no discurso político - e normalizou a perspetiva de que uma saída desordenada da UE não iria ser caótica nem acarretaria profundas consequências negativas para o Reino Unido..Não criar empatia nem ouvir os próximos.A fama de Theresa May ser uma pessoa cinzenta e incapaz de gerar empatia já a precedia antes de chegar ao número 10 de Downing Street. Já primeira-ministra foi alcunhada de Maybot, tal a sua inexpressividade e frieza. Os números falam por si: em três anos demitiram-se ou foram exonerados 50 membros do governo, 36 dos quais ministros e secretários de Estado. A larga maioria saiu por questões relacionadas com o Brexit. "Ninguém consegue sentar-se com ela e ter uma discussão livre, 'e que tal isto, e que tal aquilo?' Ela simplesmente não consegue", disse um ex-ministro à jornalista Jenni Russell, do The Times. Num texto publicado no The New York Times , a jornalista diz que a governante preferia ter como consultor o marido e um par de ministros. E revela ainda a incapacidade de May em negociar, e que esperava apenas que a outra parte cedesse. "Para a maioria das pessoas quando se entra numa sala e se diz 'Eu preciso de X, tu precisas de Y' e ambos acabam com Z. É um compromisso. Ela simplesmente não age assim", disse ainda o ex-ministro que falou sob anonimato..Não ouvir a oposição.Na sequência da terceira rejeição do acordo do Brexit pelos deputados, Theresa May fez uma declaração ao país na qual deitou as culpas, em exclusivo, para cima dos parlamentares. Ao fazê-lo conseguiu unir todas as bancadas contra ela..O último pecado capital foi o de só ter procurado chegar a um acordo com a oposição quando já estava totalmente desacreditada e o seu acordo sofrera três derrotas no Parlamento (uma delas de magnitude histórica). John McDonnell, do governo-sombra trabalhista, resumiu o espírito das negociações que só começaram nesta primavera: "Enquanto estamos a negociar com a equipa de Theresa May... nos bastidores, todos os candidatos à liderança estão virtualmente a ameaçar rasgar qualquer acordo que façamos. Portanto, estamos a lidar com um governo muito instável. É como estar a tentar celebrar um contrato com uma empresa que entra em insolvência."