Os dois Nunos Rebelo de Sousa

Há dois Nunos. Um antes e um depois do Brasil, dizem os amigos chegados. O primeiro é um rapaz discreto, ponderado, pouco dado a extravagância ou repentismo. O outro, mais recente, é mais descontraído: "Passou a falar muito mais. E a ser mais relaxado."
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O atual diretor de Marketing e Comunicação da EDP Brasil passou de cauteloso e discreto a uma figura influente com palco no mundo empresarial luso-brasileiro. Com o tempo, Nuno Rebelo de Sousa perde a reserva que amigos próximos lhe conheciam, traço precoce de personalidade. "Passou a falar muito mais. E a ser mais relaxado."

Há dois Nunos. Um antes e um depois do Brasil, dizem amigos chegados. O primeiro é o rapaz discreto, ponderado, muito pouco Rebelo-de-Sousa na ausência de extravagância e repentismo: aluno de quadro de honra, porém, desde criança, pouco à vontade com as visitas do pai à escola - o que acontecia com frequência, acabando a presidente da associação de pais.

Era o aluno Nuno da Escola Salesiana de Santo António do Estoril, do 1.º ao 12.º ano, em ambiente educativo "fundado sobre a caridade pastoral e a bondade", mediante "propostas que encaminham todas as possibilidades da pessoa para experiências positivas de bem»". Um rapaz de 12 anos, "alma boa", assim recordado pelo médico José Germano de Sousa, colega de turma. "Muito generoso, grande desportista, um grande aluno". Sempre muito focado, descreve o amigo. "Ótimo rapaz, inteligente, comunicativo, muito feliz e saudável. Bem-sucedido profissionalmente", acrescenta António Rebelo de Sousa, o tio economista.

Nem a queda natural para o desporto, campo individual e coletivo em que cedo se destaca, desperta nele, nesses anos escolares, tiques de liderança. Apesar de muito competitivo, faceta que demonstraria nas finais da Taça Sport Goofy (ténis infantil, que perde) ou quando assiste a derrotas do Sporting Clube de Portugal, faz questão de deixar a política sempre de lado.

Mesmo nas presidenciais que opuseram Mário Soares a Freitas do Amaral, tinha Nuno 13 anos, embate que entrincheira os portugueses de gerações diferentes em campos opostos, mostra pouco entusiasmo, relevando com discrição o apelido. O Nuno dos anos da faculdade, apaixonado pela Economia - "sem influência minha; sempre pensou muito pela sua cabeça", diz António, o irmão de Marcelo que fugiu ao Direito. O noivo de Rita Megre de Sousa Coutinho, descrita como "gestora capaz e mulher de armas", filha de amigos, com ascendência aristocrática, a nora querida de Marcelo após casamento desenhado pelo Presidente em férias algarvias, do qual sairão quatro netos - Francisco, de 20 anos, Maria Teresa, de 18, Maria Madalena, de 16 e Maria Luísa, de 15.

Por estes dias de acesa polémica quanto ao tratamento especial dado pelo SNS a duas gémeas luso-brasileiras por alegada interferência de Nuno e do pai Presidente, o nome repetido ao telefone gera silêncios do outro lado da linha. Teresa Patrício Gouveia, irmã de António Patrício Gouveia, padrinho de batismo que Nuno perdeu em Camarate, declina prestar declarações "neste contexto". Amigos chegados ao pai dizem o mesmo. Outros aceitam falar, mas apenas em off: "O apelido não lhe subia à cabeça. Muito discreto, sempre. E sempre com grande foco profissional", diz um amigo de adolescência. Um outro recorda "um estudante marrão, dos melhores alunos do curso, com muito pouco do pai".

"Possivelmente mais discreto que o Marcelo", admite o tio António. Não é fácil ser filho do seu pai: "Como se sabe, o meu irmão é alguém com uma personalidade muito vincada, que sobressai entre as outras. A comparação é muito forte".

Já "o segundo Nuno nasce no Brasil", garantem-nos. Aos 37 anos, após a licenciatura pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa e o MBA em Administração Geral pelo INSEAD de Fontainebleau, e depois de mais de duas décadas de experiência empresarial em multinacionais nos setores da Banca de Investimento, Consultoria, Telecom e Energia, o atual diretor de Marketing e Comunicação da EDP Brasil apura a capacidade de construir redes, gerir influências. Quer estar nos bastidores. Impor-se no palco dos grandes negócios do mundo empresarial luso-brasileiro. Perde a reserva que amigos próximos lhe conheciam, traço precoce de personalidade. "Passou a falar muito mais. E a ser mais relaxado."

Em 2011, ainda longe de o pai ser eleito Presidente, enamora-se pelo associativismo. Conquista a presidência da Câmara Portuguesa de Comércio, em São Paulo. Ao fim de mais de 10 anos de vida no Brasil, ganha novas raízes, aceita outros contextos. "Adquire confiança, protagonismo. Tenta conquistar os salões, ser espirituoso, coisa de que há uns anos seria incapaz." Adere às pulseiras budistas e ao aparelho ortodôntico. Divorcia-se, e casa-se de novo. A escolhida é a brasileira Juliana Vilela Drumond, que conheceu na EDP, "influência importante" e chave neste processo de pistolão, versão brasileira de cunha. Nasce-lhe Maria Eduarda, hoje com 9 anos, da esposa brasileira, chave neste processo de alegados favorecimento e cunha.

"O problema começa a partir de 2016, quando o pai é eleito Presidente." A partir daí, "o Nuno é muitas vezes apresentado como "o filho de"; mas, diga-se com justiça, nunca por iniciativa própria".

Fonte próxima de Belém refere que nas viagens presidenciais ao Brasil "o Presidente sempre fez questão de fugir a agendas paralelas, muitas vezes propostas por pessoas ligadas ao filho. Tem sempre esse cuidado".

Família de Presidente não é presidente, lembrou Marcelo na intervenção em que admite ter recebido do filho Nuno um e-mail sobre o processo das gémeas. "No Brasil, em determinados meios, a cunha é considerada absolutamente normal. Num ambiente assim, é natural que se fique permeável", diz um amigo de Nuno, conhecedor da realidade brasileira.

"O Nuno fez o que o coração lhe mandou. Não precisava de ser muito amigos dessas pessoas. Bastava tomar conhecimento do caso", desabafa o tio António. "E o meu irmão sente-se profundamente injustiçado", acrescenta.

Marcelo Rebelo de Sousa não faz comentários. Lembra de novo que em nome dele ninguém pode falar. Nem quer, por agora, falar dos seus. "Já escrevi um livro sobre os meus pais. Se tiver saúde e tempo, e quando deixar estas funções escreverei a história da minha família, dos meus irmãos e dos meus filhos. Até lá não falarei sobre eles", diz ao DN.

Nuno Rebelo de Sousa nasce em 1973, na Freguesia de São João da Pedreira, em Lisboa, neto de ministros de Salazar. O avô materno, António da Motta Veiga foi, de 1965 a 1968, ministro de Estado Adjunto do presidente do Conselho. O pai de seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, médico, era à data do nascimento do neto, Ministro do Ultramar. Marcelo, pai aos 25 anos, crescera destinado a ser um dos herdeiros do regime. O filho primogénito - a irmã, Sofia, nasce dois anos depois - viu a luz do dia pouco antes do turbilhão pós-revolucionário. O país ardia em labaredas que obrigaram os avós a trocar Portugal pelo Brasil. Cresce entre figuras mediáticas proeminentes da política, da academia e da economia, habituado aos dias efervescentes do pai, divididos entre fechos tardios e debates na Constituinte.

Quem conhece a relação de ambos, assegura que é "inabalável".

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