Os "Dias da Música" acabaram

Pela primeira vez desde a criação do evento no CCB passou a haver festivais por esse Portugal fora com mais concertos do que os Dias da Música.
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Os Dias da Música 2018 só acabam amanhã, mas o conceito "Dias da Música", esse, está oficialmente morto (ou esvaziado) desde a edição deste ano. O grande elo comum acaba por ser o nome, que foi preservado (por inércia, à falta de melhor ou por já haver habituação no público?), pois em tudo o resto, esta edição afasta-se clara e assumidamente dos princípios que presidiram e guiaram sucessivas edições da Festa da Música, primeiro (2000-2006) e dos Dias da Música, depois (2007-2017).

Ainda no desdobrável oficial dos Dias da Música 2017 o Centro Cultural de Belém (CCB) proclamava, em letras grandes: "Os Dias da Música são, sem dúvida" - e depois em letras mais pequenas: "o principal festival de música clássica em Portugal." Pois a partir desta edição deixaram de o ser. Se considerarmos o corpo principal da programação, isto é, os concertos desde sexta-feira à noite até domingo à noite (pagos), eles são este ano apenas 20, a que se pode somar 3 autos de Gil Vicente com música de cena. Dito isto, e pela primeira vez desde a criação do evento, passou a haver festivais por esse Portugal fora com mais concertos do que os Dias da Música!

Se atentarmos na evolução dos últimos anos (considerando o mesmo universo de concertos), verifica-se um decréscimo gradual de 64 concertos em 2015 para 56 em 2016 e para 48 em 2017 para, agora, uma queda abrupta de mais de 50%. Donde também que os 30500 bilhetes de 2016 e os 28000 de 2017 terem passado a pouco mais de 20000 este ano, com apenas 3 salas a "funcionar em pleno" com concertos (ao contrário das seis que sempre fora habitual). Tal redução de concertos não se reflete, contudo, no custo geral do evento (considerando embora aqui o Festival Jovem), que continua a andar próximo (para menos) dos 500 mil euros.

Por esse facto e por, ao mesmo tempo, deixar de ser um festival pontual e passar a estar integrado tematicamente na temporada, os Dias da Música transformaram-se num mero ciclo de concertos adstrito, indexado ou subsumido numa (e ilustrativo da mesma) unidade temática bem mais vasta, no caso, Hieronymus Bosch.

Outro sinal: o preço dos bilhetes. Marca da Festa/Dias da Música sempre foram os bilhetes a preços convidativos, destinados a captar o público neófito e a convidar famílias a assistir em conjunto. Ora este ano, o preço-base no Grande Auditório é de 14,5€ (contra 9,5€ em 2017), no Pequeno Auditório é de 11,5€ (contra 7,5€ em 2017) e nas salas Freitas Branco e Almada 9,5€ (contra 7,5€ em 2017). Outra opção muito questionável: os 5€ cobrados para se assistir a uma conferência (uma inovação "nascida" em 2017). E nem com entusiasmo se "vai lá": se comprar bilhetes para 3 ou mais concertos num só dia, terá um desconto de... 10%!

E outro sinal: a duração dos concertos. Princípio também ele definidor do conceito Festa/Dias da Música era a duração reduzida dos concertos (com poucas exceções), motivado também ele por essa procura de novos públicos, de atrair o público infanto-juvenil (com seus pais) e de permitir que as pessoas circulassem de concerto em concerto, sem se cansarem demasiado e favorecendo aquele clima de cúmplice corrupio e musicalmente pantagruélico que era uma marca do evento (mesmo que se tivesse vindo a esbater nos últimos anos). Ora a duração passou este ano a ser livre.

Ainda assim, refira-se o facto de nove dos 20 concertos serem de música anterior a 1800, algo que, cremos, estará ligado à temática do evento. Curiosamente, desses nove, apenas dois são protagonizados por ensembles estrangeiros: Orlando Consort (Inglaterra) e LaReverdie (Itália). Ainda mais curioso - e algo estranho - é o facto de a centralidade de Hieronymus Bosch não se ter refletido minimamente no convite a ensembles vindos da Bélgica ou da Holanda. Dado o foco da programação na música dita antiga (e na prática historicamente informada da mesma), esses países oferecem uma panóplia de intérpretes e grupos tão vasta e ótima quanto o eram os compositores flamengos ao tempo de Bosch! Manifestamente, Daniel Elgersma (cantor) e Ton Koopman (maestro) não chegam para uma "Primavera flamenga" em Belém.

Como memória, ficam os dados de 2006: 115 concertos, mais de 49 mil bilhetes vendidos, taxa de ocupação das salas de 94%. Um festival, então, cuja realidade concreta mais que justificava que se chamasse "Festa"... E não estamos a falar de orçamentos, mas apenas de uma enorme oferta que tinha correspondência numa enorme procura.

Por tudo isto, e como sói fazer-se para os monarcas: "Os Dias da Música morreram, longa vida aos... "Dias da Música""!

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