Os desaparecidos que não querem que as famílias saibam
"O meu marido desapareceu, eu não sei dele. Encontrem-no, que ele é tão boa pessoa!". A mulher, desesperada, comunicou assim o desaparecimento do marido à secção de Desaparecidos da Polícia Judiciária. Os investigadores da PJ limitaram-se a reconstituir a história de vida do homem desaparecido e a seguir, a partir daí, todas as pistas para o encontrar. O homem foi descoberto: saiu de casa porque estava saturado e foi viver com uma amante. "Não digam nada à minha mulher que eu mais tarde falo com ela", pediu aos inspetores, que respeitaram a sua vontade e não revelaram o seu paradeiro à mulher.
Em média, por ano, quatro mil pessoas desaparecem em Portugal, a maioria de forma voluntária, isto é, sem associação a qualquer crime (rapto, homicídio ou outros). Em grande parte dos casos, são menores que fogem de casa ou de instituições e são rapidamente localizados e devolvidos à família. Esses não têm escolha: o paradeiro é sempre revelado e são "devolvidos" à família por serem menores.
Depois, há um grupo minoritário de adultos que se somem sem deixar rasto aparente. Simplesmente porque querem desaparecer. "Quando os encontramos, a maior parte deles pede para dizermos à família que estão bem mas que não querem que se saiba onde estão". "O direito constitucional à reserva da vida privada tem de ser assegurado", explica o inspetor-chefe Fernando Pires, da secção de Desaparecidos da Polícia Judiciária de Lisboa. Os processos de desaparecidos são administrativos, não são inquéritos-crime. "A nossa missão é apenas a de encontrar as pessoas. Para outras vias há o recurso aos tribunais."
As pessoas que fogem de casa por ter relações extraconjugais são apenas um dos grupos que não querem ser encontrados. Há de tudo: idosos que desaparecem para fugir aos filhos toxicodependentes; os que deixam tudo para fugir às dívidas financeiras; as mulheres que desaparecem com os filhos para fugir ao marido agressor; pessoas que se tornam sem-abrigo e não querem que a família saiba; jovens correios de droga detidos num país estrangeiro que têm vergonha que os pais descubram o que lhes aconteceu.
No ano passado, a secção de Desaparecidos da Polícia Judiciária, inserida na Unidade de Informação e Investigação Criminal, registou 3526 desaparecimentos. Desses, ficaram pendentes 58 casos, segundo dados oficiais facultados ao DN.
22 casos para outras secções
Os desaparecimentos não voluntários, por se presumir a existência de crime (rapto ou homicídios, etc.) transitaram para outras secções da Polícia Judiciária. Registaram-se 22 casos desse género.
A Polícia Judiciária presume que "todo o desaparecimento é voluntário". Quando não o é, entram na equação outros fatores, nomeadamente ação criminosa.
Segundo o inspetor-chefe Fernando Pires, um grande grupo de casos é o das ruturas familiares, em que se inscrevem duas situações típicas para a secção de Desaparecidos da PJ: vítimas de violência doméstica que saem de casa (umas vezes sós, outras com os filhos atrás) e os casos de subtração de menores por um dos pais na sequência de uma decisão do tribunal sobre a responsabilidade parental. "Temos localizado mulheres que fogem do marido agressor em casas de abrigo ou em casas de familiares e pedem-nos para não revelarmos o seu paradeiro porque têm medo", refere o inspetor-chefe. "Na outra situação, é o pai ou a mãe quem vem participar que o seu filho está desaparecido quando não está nada, foi levado pelo cônjuge.
Quando encontramos a pessoa com o filho não revelamos onde está à parte que nos procurou e explicamos que tem de ser resolvido no Tribunal de Família e Menores".
Para a secção de Desaparecidos há uma única prioridade. "A nós interessa-nos passar dos desaparecimentos aos aparecimentos. Não temos de satisfazer o interesse da outra parte, que é dizer onde está." Para encontrar alguém parte-se da "história de vida": saber se a pessoa tem inimigos, tendências suicidas, doença mental, problemas financeiros ou outros.
A secção de Desaparecidos da Polícia Judiciária de Lisboa conta com seis inspetores. É a única que tem investigadores especializados. Mas as diretorias da Polícia Judiciária investigam desaparecimentos em todo o país, muitas vezes com o auxílio dos colegas de Lisboa especializados. Mas sem os meios que são exibidos na série norte-americana Sem Rasto.