Os calos de Trump

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Na terça-feira, a representante americana na ONU, Nikki Haley, postou um aviso no Twitter: "Na quinta-feira haverá uma votação na ONU () e sim, os Estados Unidos apontarão os nomes." A votação era crítica sobre a decisão do presidente Donald Trump de transferir a embaixada americana em Israel para Jerusalém. No dia seguinte ao tweet da sua embaixadora, Trump confirmou que tinham debaixo de olho - e faziam questão de o dizer com o dedo em riste - os países que votassem contra a decisão americana: "Estamos atentos a esses votos." E explicou as possíveis retaliações: "Deixem que eles votem contra nós, pouparemos imenso."

Por onde começar a conversa sobre isto? OK, pelo argumento definitivo, último e primeiro de Donald Trump. Daqui a um mês ele fará um ano de presidente e, valha a verdade, nunca enganou sobre o que o movia e comovia. Já então, no início do mandato, ele disse como iria tratar o mundo: com o dólar como a medida de todas as coisas. Enumerou vários aliados - Japão, Arábia Saudita, Coreia do Sul... - e reduziu a política externa da maior potência mundial, diplomacia e defesa, a isto: se eles querem bases americanas, têm de as pagar. "Vai ser lindo, ver dólares a entrar!"

"Pouparemos imenso", disse, pois, antes da votação. E não é que Trump teve razão e até pode ser mais do que imenso? Contemos: ontem, a favor de Trump votaram nove países, incluindo os Estados Unidos e Israel. Os outros sete foram Guatemala, Honduras, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau e Togo. Quase todos países minúsculos, quando não só ilhotas, os dólares de que agora se sentirão merecedores, mesmo que multiplicados não serão grande coisa para a América pagar. Talvez os dois países latino-americanos, Guatemala e Honduras, ambos grandes exportados de bananas para os States, terão direito à classificação de república bananeira de primeira classe.

Quer dizer, na contabilidade (isto é, em lindos dólares) do voto da ONU, ontem, o que vai entrar em "gastos" é irrisório. Já em "poupanças" será enorme, como desejou Trump. Abstiveram-se 35 países. A partir de agora podem ser considerados semiamigos e, portanto, sem direito a maiores ajudas, e talvez até a menores - a ver vamos. O que é certo é que os 128 países que votaram contra a decisão da passagem da embaixada americana para Jerusalém, esses, estão tramados. A América tomou nota dos seus nomes, como disse a embaixadora Haley. A América vai poupar imenso à custa deles, como disse o presidente Trump.

O quê, como e quanto, lindo? Não interessa, basta a imagem das notas verdinhas. Nesta semana, o presidente Trump publicou na sua conta do Twitter uma mensagem natalícia com... dólares. Claro. Era a imagem de um belo presente, embrulhado e com laçarote, que explodia - saltavam... dólares. Claro. A mensagem era sobre os contribuintes irem ter uma devolução de impostos com uma nova lei agora aprovada. Que essa tax return irá beneficiar sobretudo as grandes empresas e nada os pobres - isso são minudências. O lindo é o presente natalício a rebentar e dele saltarem dólares a esvoaçar. Ainda bem que os americanos o elegeram, se não Trump ainda emigrava para cá e era assaltante de caixas de multibanco.

Não sei se repararam no que temos vindo a falar: uma votação, ontem, na ONU. Da ONU que foi o sonho (impulsionado pela grande América de Roosevelt), um mundo saído de uma guerra geral a encontrar-se numa organização de todos o países. Nações Unidas, certamente defeituosas, mas que continuam a ser a última oportunidade para precaver o caos. E eis, agora, o famoso Sr. Trump dos prédios e torres, investido no que não devia, a ver a questão das embaixadas em Jerusalém como se de um negócios imobiliário se tratasse. Os proprietários tinham alvará, ofereciam a possibilidade de construção numa zona privilegiada, com vistas para muros de lamentações e túmulos antigos. Claro, é fake news que ele ganhe alguma coisa com o negócio. A questão não é essa, o problema é que Trump vê tudo como se fosse negócio - coisa que, valha a verdade (leia-se linhas acima), ele nunca escondeu. Mentalidade linda quando é com casinos (embora mesmo aí ele tenha tido falências), mas dramática quando se trata de Jerusalém, assunto que mais do que qualquer outro exige diplomacia.

Falei do diabo. Diplomacia... Vou recorrer a algumas definições do assunto, de forma levezinha, como se deve quando é Trump o sujeito. "Diplomata é uma pessoa que pensa duas vezes antes de não dizer nada." Como pedir isso a Donald Trump, que nunca pensa, antes de dizer tudo duas vezes e, muitas vezes, de forma contraditória... "Um diplomata é alguém que nos diz para ir para o inferno, de tal maneira que nos dá verdadeiramente desejo de fazer a viagem." Como cola essa definição com alguém que avisa o vizinho de que vai fazer um muro e o diz à frente de todos: "E ainda não sabes que tu é que vais pagar o muro..." E, última frase para demonstrar a vocação que Trump não tem nem pingo: "Diplomacia é a arte de dizer: "Oh!, que cãozinho bonito", ao mesmo tempo que se procura um pau." Em vez disso, Trump ameaça os parceiros de uma organização internacional de lhes apontar o nome e castigá-los se não votarem bem...

Definitivamente, Donald Trump não é um diplomata, nem um político, nem muito menos um estadista. Um antigo embaixador britânico na ONU, David Hanney, falou nesta semana do trepidation index. Do indicador de medo que uma grande potência deveria saber detetar: "Quando se nota que baixou a importância que os outros dão por nos pisarem os calos." Ontem, a esmagadora maioria da ONU, 128 países, não se importou de pisar os calos dos Estados Unidos. É muito mau. Donald Trump é um desastre.

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