Os beijos de Judas
Há décadas que os militares são confrontados com a redução de direitos, sendo exemplos: estatutos cada vez mais restritivos, carreiras mais lentas, criação de novos postos e eliminação de lugares no topo, atrasos de um ou mais anos na publicação das promoções, insuficiências graves no apoio na doença e na acção social complementar, etc ...
Amiúde, o Presidente da República e vários ministros confessam o seu orgulho nos militares portugueses e enaltecem a sua coragem, devoção e abnegação, e o seu contributo para a afirmação de Portugal nos diferentes fóruns internacionais. Contudo, quando os governos são chamados a dirimir potenciais reivindicações profissionais, nenhuma dessas vozes se ergue em sua defesa. Parece a parábola do filho pródigo: aos contestatários, dissidentes e críticos é dada resposta positiva a muitas exigências. Para os militares, por formação obedientes, colaborantes, pacientes e confiantes, NADA!
Vemos representantes das carreiras especiais a negociar com o Governo a melhoria do estatuto e do sistema retributivo, com sucesso. E os militares? Para este efeito, quem os defende? Os chefes militares não têm essa vocação ou não a querem assumir. As associações socioprofissionais não têm competência para isso. Sindicatos, não existem. Assim, os militares ficam sozinhos, abandonados ao livre arbítrio dos governos, que preferem investir em carreiras cujos comportamentos reivindicativos possam causar mais atritos à sua acção governativa. O descongelamento das progressões remuneratórias é disso exemplo: os militares, mais uma vez, são atirados para o último lugar.
Recentemente, um reputado jornalista afirmou que a indignação dos militares perante o poder político tem sempre, e apenas, que ver com questões de natureza pecuniária. E não é isto que querem todas as corporações? Contudo, no caso dos militares não é bem assim. Primeiro que tudo, os militares almejam Respeito. Depois, Reconhecimento e, por fim, Tratamento Idêntico ao proporcionado a outras profissões com formação semelhante.
Mas é evidente que também há questões salariais. O militar é um cidadão igual aos demais, com os mesmos problemas familiares, sociais e económicos. É angustiante constatar que carreiras da Função Pública, há 20/30 anos equiparadas à dos militares, dispararam na Tabela Remuneratória Única, enquanto estes continuam a "marcar passo".
O mais alto cargo da hierarquia das Forças Armadas (FA) é o de CEMGFA. Naturalmente, desempenhado apenas por um militar, depois de atingidos 60 anos de idade e 40 de carreira. Não colocando em causa, de forma alguma, a nobreza da sua profissão e a forma excelsa como a desempenham, importa referir que um juiz de direito ou um procurador adjunto com 25 anos de serviço (onde se incluem os 5 da licenciatura e os 2 do CEJ) tem um vencimento base superior ao do CEMGFA. Quer isto dizer que 1190 juízes e 940 procuradores têm um vencimento base superior ao do CEMGFA. Estará esta situação correcta? E o mesmo se verifica na comparação com outras carreiras.
O MDN referiu que o futuro das FA deve ser pensado em conjunto com a sociedade portuguesa. Estas declarações podem ser consideradas infelizes e irresponsáveis. Infelizes porque, num estado de direito democrático, as FA não se discutem: apoiam-se, dignificam-se e valorizam-se.
Irresponsáveis porque, numa conjuntura social claramente economicista, populista e com uma comunicação social muito crítica da realidade militar, se corre o risco de, ultrapassando a hipótese meramente académica, se concluir que a maioria das vozes audíveis pugnará pela extinção das FA.
Se isso vier a acontecer, há a certeza de que os militares, embora amargurados por essa decisão, saberão continuar a viver e a encontrar outras formas de servir Portugal. Se Portugal continuar a existir!
Tenente General