Os atentados de Paris: as consequências globais

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Qualquer nova-iorquino ou londrino compreende por instinto o que os parisienses estão a viver: um misto de choque, horror e medo do futuro. Mas a memória dos ataques terroristas de 2001 em Nova Iorque e 2005 em Londres demonstra a resiliência das grandes cidades. Elas conseguem recuperar de atos de terrorismo com uma velocidade e um vigor surpreendentes. Dizer que os terroristas não vão "derrotar Paris" não é uma declaração de rebeldia. É a constatação de um facto.

Paris é uma cidade cuja história, frequentemente violenta e chocante, está sempre presente. Há memórias de revoluções, massacres, guerras e ocupações não apenas em museus mas nos nomes das ruas e na arquitetura da cidade. Através de tudo isso, Paris tornou-se um sinónimo de beleza, serenidade e criatividade.

Apesar de não haver dúvida de que Paris irá recuperar, é também verdade que estes ataques vêm num momento particularmente sensível tanto na história de França como da Europa. Há dez meses Paris foi vítima dos ataques assassinos ao Charlie Hebdo e a um supermercado judeu que trouxe milhões de pessoas para a rua numa manifestação desafiadora. Mas a mortandade destes últimos atentados é muito maior. Uma segunda vaga tão pouco tempo depois do Charlie Hebdo vai aumentar o sentimento de insegurança.

As questões políticas imediatas dizem respeito ao envolvimento francês no Médio Oriente e o ataque tem impacto nas eleições regionais do próximo mês. Há relatos de que os terroristas gritaram comentários sobre a guerra na Síria. França lançou os primeiros ataques aéreos sobre jihadistas na Síria em setembro e está envolvida nos raides aéreos sobre o grupo no Iraque há meses. É altamente improvável que o presidente François Hollande vá responder aos ataques acabando com o envolvimento francês na guerra contra o EI. Sem dúvida que, a curto prazo, é mais provável uma intensificação do envolvimento militar.

A reação dos eleitores será seguida de perto. As sondagens sugeriam já que Marine Le Pen, líder da Frente Nacional de extrema-direita, irá ganhar na região do Nord-Pas-de-Calais; a sua sobrinha, Marion Maréchal-Le Pen, aparece no topo das sondagens na região da Provence, no Sul. A Frente Nacional, que tem uma longa história de hostilidade em relação à imigração muçulmana e que tem advogado a restauração dos controlos de fronteira, pode beneficiar no rescaldo dos atentados. Alguns dos seus argumentos estavam já a entrar para o discurso dos partidos tradicionais de centro-direita.

Os atentados em Paris aconteceram numa época em que a Europa está a braços com uma crise de migrantes. Com a Alemanha disposta a receber mais de um milhão de refugiados neste ano - a maioria do Médio Oriente devastado pela guerra -, a pressão sobre Angela Merkel para que feche as fronteiras a novos migrantes estava já a crescer. Mesmo antes dos atentados de Paris, a Suécia - que acolheu mais imigrantes por habitante do que qualquer outro país da UE - anunciou um encerramento parcial da fronteira a novos refugiados, embora temporário. No rescaldo dos acontecimentos de Paris, a Sr.ª Merkel vai certamente sentir-se tentada a tomar uma medida semelhante, aliviando a pressão social e política sobre o seu governo. Mas estará também ciente das repercussões perigosas que isso pode ter nos países dos Balcãs.

As origens dos terroristas (não são conhecidas enquanto escrevo) irão alterar o debate. Se a ligação aos movimentos terroristas islâmicos for anunciada, o debate sobre política ocidental no Médio Oriente irá intensificar-se mas não será necessariamente clarificado.

Uma consequência possível é a política ocidental concentrar-se ainda mais firmemente na derrota dos jihadistas enquanto desvaloriza objetivos subsidiários como a deposição de Bashar al-Assad. Mas França tem estado na linha da frente dos países que argumentam que o Sr. Assad está no centro do problema da Síria. Uma total inversão da política anti-Assad é improvável nas próximas semanas.

O que é mais provável é que a política evolua nos próximos meses, enquanto o impacto, as lições e o puro choque dos atentados terroristas de Paris são absorvidos.

Especialista em assuntos internacionais

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