Os amigos de Alice
Depois da série de problemas técnicos que ditou o cancelamento do concerto dos Korn, as boas vibrações regressaram ontem ao Parque da Bela Vista à custa de um clube dos músicos mortos, os Hollywood Vampires, encabeçado pelo carismático Alice Cooper. De discurso bem teatralizado com guião, o padrinho do "shock rock" ia contando, no seu ar marreco, pequenos episódios com os seus amigos mortos, à medida que se preparava para interpretar músicas dos mesmos com aquela voz de velha bruxa. Um a um, lembrou-se deles. Alice Cooper homenageou o baterista dos Who, Keith Moon, e John Lennon dos Beatles, quase sem precisar de dizer os seus nomes. E recordou a data em que conheceu os Doors. Aquilo era um enumerado necrófilo. E ainda diz com ar medonho que todos os músicos do clube Hollywood Vampires já morreram, excepto ele.
De calças de couro, colete, luvas e de olhos carregadamente pintados, Alice Cooper ambula pelo palco, olha o público com à-vontade de veterano e socorre-se do humor negro. Gesticula e faz aquele sorriso macabro com a ajuda daquela fealdade maquilhada ao modo dos filmes de terror. O homem é um figurão.
Mas havia outra atração neste supergrupo: o ator e, aqui, guitarrista Johnny Depp. Sempre que percorria um dos corredores laterais e aproximava-se do público, um número elevado de telemóveis erguia-se, mirando e fotografando o guitarrista que ao longe mantêm o mesmo ar de menino de Eduardo Mãos de Tesoura mas que de perto não consegue esconder um ar mais inchado e mal-encarado que a câmara de filmar de Tim Burton ignorava.
Johnny Depp, que raramente larga a cigarrilha na boca, tem tendência para usar os mesmos metros quadrados de Joe Perry dos Aerosmith, para assim tocarem bem juntinhos como se quer de uma boa dupla de guitarristas. Bons guitarristas eram o que não faltava na formação ao vivo que se apresentou no Rock in Rio. Estavam ali quatro guitarristas ao todo e os atributos de todos eles ficaram bem claros quando Joe Perry interpretou o bluesy Stop Messin' Around, pescado ao reportório dos Fleetwood Mac.
O itinerário pelos clássicos do rock tem como primeiro ponto quente a versão de 20th Century Boy dos T-Rex. Seguem-se alguns duplexes. Pinball Wizard é seguido do eternamente insolente My Generation dos Who, que dá azo a outra homenagem, desta vez a Pete Townshend, quando Joe Perry despedaça uma das suas guitarras. E, em tributo a David Bowie, Rebel Rebel é sucedido por Suffragette City, onde Joe Perry volta a ser a estrela, mostrando todo o seu rendilhado de guitarra, com uma técnica só ao alcance de 0,001% da população mundial.
Come Together dos Beatles obtém grandes reações; Whole Lotta Love dos Led Zeppelin faz abanar muitas cabeças; e o rolo compressor de Ace of Spades dos Mötörhead incentiva muitas corridas desenfreadas de espetadores para a zona da frente.
Também foram ao reportório próprio. Abriram o espetáculo de hora e meia com o assertivo Raise the Dead. Tocaram As Bad As I Am, tema de Johnny Depp que acena para a multidão quando Alice Cooper lhe atribui o crédito. E fizeram de Dead Drunk Friends uma comédia mórbida.
Claro que os temas dos Aerosmith e de Alice Cooper não poderiam ficar de fora deste setlist histórico. E teriam que ser guardados para o final, como Sweet Emotion da banda de Joe Perry, e já no encore, Alice Cooper canta o seu School"s Out, ao modo burlesco. De óculos escuros e apontando o seu chicote de couro na direção da multidão, Alice Cooper aproveita o momento de supremacia para respigar algumas palavras do raspanete professoral dos Pink Floyd, Another Brick in the Wall.
O público assistiu ao espetáculo com um olhar mais curioso do que de fã. Mas no final, de certo que Alice Cooper ganhou mais uns bons amigos do lado de lá do palco. Ele vive!