Os advérbios da democracia

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O advérbio que mais facilmente nos pode ocorrer é o "politicamente", com o "correto" a seguir. Sobre o "politicamente correto" já se discutiu muito. A vaga recente de populismo tem promovido a sua abolição para mediatizar o antissistema e o "antipoliticamente correto". Pelo caminho, deixam cair a importância da serenidade e da solidariedade (institucionais e não só) numa democracia plena.
A democracia e a solidariedade vão muito além da discussão populista, calculista e estéril. O aproveitamento mediático e político não resolve problemas, ao contrário das atitudes construtivas, do diálogo e do consenso.

Cada vez mais, a nível global, percebemos que o "solidariamente" tem de ser o advérbio democrático de excelência. A solidariedade é também uma forma de trazer resiliência à democracia. Se há expressão que temos ouvido e lido nos últimos tempos é "não deixar ninguém para trás". Este é, aliás, o mote colaborativo da Agenda 2030 das Nações Unidas a que todos estamos vinculados. A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sustentam os desafios das agendas revolucionárias das conferências de 1992 no Rio, de 1993 em Viena, de 1994 no Cairo e de 1995 em Pequim. Recuperar a noção de solidariedade a nível global é também não esquecer o conjunto decisivo e transformador de metas que o mundo precisa de alcançar para mais justiça e paz social e para diminuir as desigualdades e as discriminações através de mais e melhor educação, saúde e igualdade.

As parcerias multilaterais, a partilha de conhecimentos e o respeito pelos direitos fundamentais são hoje reconhecidos como basilares. "Não há desenvolvimento sem saúde e igualdade de género." Estas palavras são do secretário-geral das Nações Unidas e ecoam diariamente em muitos de nós, sobretudo em tempos de pandemia.

No horizonte global, estão cada vez mais nítidos os contornos de um grande desafio democrático. Não podemos deixar que a covid-19 nos desvie do combate à desigualdade. A covid-19 não nos pode fazer recuar no alcance de compromissos com a humanidade como o fim de práticas nefastas como a mutilação genital feminina, os casamentos infantis, precoces e forçados ou a preferência pelos filhos rapazes, que se verificam em muitos países.

Portugal tem uma tradição de cooperação entre países onde estas são as realidades de muitas meninas, jovens e mulheres. Além de denunciar e identificar pessoas, precisamos de recuperar objetivamente o caminho da prevenção, de espectro multilateral e com base na ação partilhada. Este é apenas um dos muitos compromissos que temos de assumir plenamente, pela ação multilateral e concertada. O mundo atual torna cada vez mais nítidas as nossas fragilidades no que toca à igualdade. Mais do que nunca, solidariedade precisa-se.

Deputada do PS

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