Os actores secundários no cenário iraquiano

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Garantir a protecção de altos funcionários civis; vigiar oleodutos e outras infra-estruturas; fazer a segurança de transportes não militares; facilitar o trabalho de companhias - como as de telecomunicações ou construção civil - que procuram novas oportunidades de negócio; ajudar a fazer traduções. Estas são algumas das tarefas desempenhadas pelos agentes que estão no Iraque ao serviço das empresas militares privadas (EMP).

Espalhados por todo o país, em locais como o aeroporto ou a Zona Verde, ninguém consegue precisar quantos são no total. David Isenberg, num relatório recentemente divulgado pelo British American Security Information Council (BASIC), descreve-os como «actores secundários» no Iraque.

Isenberg, autor de Uma Mão Cheia de Contratados O Caso para Uma Avaliação Pragmática das Empresas Militares Privadas no Iraque, esclarece «As EMP não constituem o segundo ou terceiro maior exército no país, pois não estão coordenadas como um todo, nem envolvidas em operações ofensivas.» Mas observadores insistem em classificar os contratados como «mercenários», exigindo que sejam descritas ao pormenor as tarefas que desempenham no terreno, em que circunstâncias podem fazer uso das armas e a quem prestam contas pelos seus actos.

O envolvimento de, pelo menos, três dezenas destes «soldados privados» nos interrogatórios de Abu Ghraib, confirmado pelos relatórios Taguba e Jones-Fay, agudizou a discussão em torno do papel das EMP e do estatuto dos seus funcionários. A falta de segurança no pós-guerra fez aumentar a procura dos serviços das EMP, sendo previsível, refere Isenberg, que elas permaneçam no terreno durante mais anos. Mas a insegurança atinge todos e a verdade é que os iraquianos e os estrangeiros, contratados por estas empresas, têm sido as principais vítimas dos raptos e decapitações perpetrados por grupos radicais a actuar no país. O que nem sempre é revelado.

O jornalista Robert Fisk, num artigo no The Star, explica que as companhias raramente comunicam as suas baixas e quando o fazem - como no caso dos funcionários da Blackwater assassinados e mutilados em Fallujah em Março - é porque as mortes são noticiadas e passam a ser do domínio público.

retrato. Estima-se que o número de funcionários das EMP, após a retirada das forças estrangeiras do Iraque, possa chegar aos 30 mil. A lista da CPA (Autoridade Provisória da Coligação que governou o Iraque até Junho) falava em 20 mil.

Este número inclui americanos, iraquianos e indivíduos de outras nacionalidades britânicos, nepaleses, chilenos, ucranianos, israelitas, sul-africanos, indianos, colombianos, argelinos, etc... Têm entre 30 e 40 anos e são, geralmente, ex-militares e antigos membros de forças de elite como os Special Air Services ou a Força Delta. E podem chegar a receber 900 dólares (mais de 600 euros) diariamente.

Estatuto. O estatuto das PMC e dos seus funcionários é, à luz do direito internacional, algo ambíguo. Este proíbe a figura do mercenário, definido como alguém que participa num conflito armado a troco de dinheiro, mas as empresas tentam afastar-se dessa imagem definindo-se como «consultoras para a área da segurança». A solução pode passar, como avançou o International Herald Tribune, não por banir as companhias privadas, mas pelo seu controlo através da lei nacional e internacional, para assegurar que os seus serviços não possam ser alargados a situações activas de combate.

No caso do Iraque, antes de entregar a soberania aos iraquianos, o administrador Paul Bremer tornou a Ordem 17 da CPA mais abrangente concedeu aos prestadores de serviços uma isenção à lei iraquiana enquanto desempenham as suas funções. O que inclui, como revelou o El País, os agentes privados que têm o direito de usar armas, pelo menos até que exista um Governo eleito no país.

problema. A oferta de salários elevados, explica Isenberg, está a provocar um verdadeiro êxodo das forças armadas nacionais, à medida que as EMP são chamadas a desempenhar um papel na luta contra o terrorismo. A competição com as forças de elite é tão feroz que alguns países vêem-se obrigados a oferecer novos incentivos.

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