Os 'graffiti' de Pollock

Publicado a
Atualizado a
Os 'graffiti' de Pollock

João Céu e Silva

joaoceu@dn.pt

Bom dia!

Nunca consegui olhar o graffito como uma manifestação de arte. Mesmo gostando muito do pintor Jackson Pollock, que, por vezes, imita esta arte de inspiração urbana com uma perfeição imprescindível para quem gosta de perder-se em telas imensas, garatujadas e plena de apreensões.

Passou nos cinemas há tempos um filme que retratava o pintor Pollock - com o físico do actor muito parecido que é Ed Harris - que mostrava a forma desbragada como Jackson tinha chegado àquele estágio artístico. O filme não era de se perder de amores, mas quase todos os filmes sobre estes ícones ficam a perder em relação à ideia que fazemos dos personagens. É o caso de um outro filme, sobre a poetisa Sylvia Plath, em que a actriz Gwinneth Paltrow faz um imenso esforço para a reproduzir, mas o que dali transpira a pouco mais induz os seus admiradores que a desilusão. Até porque a forma como o argumento retrata o "seu" marido é marcado por uma classificação antecipada de mau carácter. Não é que Sylvia tivesse sido feliz com Ted Hughes, ou que o seu desmando concretizado ao colocar a cabeça num forno com o gás aberto fosse o fim épico para quem escrevera poemas tão perturbadores, mas quem gosta de os ler sabe bem como estavam desencontrados e que ela teve a sorte de morrer a tempo de tornar Ted quase proscrito para o resto da vida.

Pollock também teve os seus azares mas a mão preciosa da milionária Peggy Guggenheim evitou um desaire antes do momento certo. No seu museu veneziano, Peggy tem uma dúzia dos seus cachorrinhos enterrados no jardim plantado à beira do Grande Canal que atravessa a Sereníssima e no interior do palácio estão pendurados dois quadros dele. Um fabuloso, o outro quase tanto, rivalizando com a beleza de uma tela do De Chirico (verdadeira!) pendurada na parede, em contraste com as águas sujas visíveis das janelas do pallazo.

Se nunca consegui olhar o graffito como uma manifestação de arte, nem mesmo quando têm por justificação exprimir o que de outro modo seria impossível, uma das razões está nessa arte que surge por reprodução espontânea aqui no meu bairro - o Arco do Cego -, designadamente nas paredes do liceu onde as tintas têm tudo (até erros ortográficos) menos a harmonia e a arte das pinceladas de Jackson Pollock.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt