Ortega vence sem supresas terceiro mandato seguido

Sandinista que em 1979 derrotou a ditadura dos Somoza (pai e filhos) pode ficar no poder mais tempo do que qualquer um deles
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Numa sondagem publicada há uma semana, entre 70% e 88% dos eleitores da Nicarágua diziam desconhecer os outros cinco candidatos que concorriam às presidenciais contra Daniel Ortega. Não é por isso de estranhar que, neste domingo, o presidente tenha conseguido ser reeleito para um terceiro mandato consecutivo com 72% dos votos (resultados provisórios referente a 66,3% das urnas). O ex-guerrilheiro sandinista que derrotou em 1979 a ditadura dos Somoza prepara-se para conseguir estar no poder mais tempo do que qualquer um dos elementos dessa família que liderou os destinos do país durante 43 anos. E dar início à sua própria sucessão dinástica, agora que a sua mulher Rosario Murillo é a vice-presidente.

Quando Ortega, de 70 anos, terminar este mandato em 2022, estará há 15 anos consecutivos na presidência. Se somarmos os cinco anos do seu primeiro mandato, entre 1985 e 1990 (e mesmo sem contar o período como coordenador da Junta de Governo da Revolução Sandinista, de 1981 a 1985), significa que terá estado no poder durante 20 anos. Ainda aquém das três décadas que os três Somoza estiveram na presidência - dos 42 anos que mandaram na Nicarágua.

Contudo, durante esse período, quem esteve mais tempo no poder foi Anastasio Somoza García, o fundador da dinastia, que exerceu o cargo durante 16 anos em dois períodos diferentes (1937 a 1947 e 1950 a 1956, quando foi assassinado). O seu filho mais velho, Luis Somoza Debayle, foi presidente durante os seis anos seguintes (até à sua morte, em 1963), enquanto o irmão, Anastasio Somoza Debayle, passou nove anos no cargo (de 1967 a 1972 e de 1974 até ser derrubado pela revolução sandinista, em 1979).

Após ter sido derrotado nas urnas em 1990, depois de na prática ter passado uma década à frente dos destinos de um país arrasado pela guerra civil contra os Contra (apoiados pelos EUA), Ortega poderia ter desaparecido da cena política da Nicarágua. Mas, pelo contrário, aproveitou para consolidar o poder dentro da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), mantendo o partido vivo e afastando eventuais adversários.

Após duas candidaturas presidenciais falhadas (1996 e 2001, quando conseguiu 37% e 42% dos votos), fez um acordo com o ex-presidente Arnoldo Alemán. Em troca da proteção das acusações de corrupção, este acedeu fazer uma reforma constitucional que permitia a eleição à primeira volta com 35% dos votos. A 5 de novembro de 2006, enfrentando uma oposição dividida, Ortega conseguiu 38% e voltou à presidência. Cinco anos depois, conseguiria 62%. Já em 2014, mudou a Constituição para permitir a reeleição sem limites.

"Ortega, desde que em 2006 voltou à presidência depois de 16 anos na oposição, soube jogar as suas cartas com mestria", escreveu o correspondente do El País para a América Central, Jan Martínez Ahrens. "Herdou um Estado sem dívida nem défice e, com a ajuda do ouro venezuelano, desenvolveu um vasto projeto clientelista e cresceu em popularidade", acrescentou, referindo-se ao apoio que o país tem tido da Venezuela e que possibilitou a aposta nos programas sociais.

Mas, segundo Ahrens, o "grande êxito e a derradeira causa da sua reeleição, foi conquistar como aliados os seus antigos inimigos: a Igreja e o capital." Aos primeiros, refere, pagou com a proibição absoluta do aborto e a sua própria conversão em apóstolo cristão". Aos segundos cedeu o governo económico. "Ao patronato, transformada em ministério, deu à luz em dez anos a 105 leis de cariz neoliberal", conclui.

Ao seu lado desde os tempos da revolução sandinista, a escritora e ex-deputada Rosario Murillo (com quem casou oficialmente em 2005 e com quem tem oito filhos) foi agora promovida a vice-presidente. Por causa dos rumores dos problemas de saúde de Ortega, está na linha da frente para suceder ao marido, com a oposição a falar numa "ditadura familiar". Não ajuda que dois dos seus filhos ocupem cargos chave - Rafael é o responsável pela supervisão das relações com a Venezuela e Laureano é a ligação ao empresário chinês, Wang Jing (que está a desenvolver o canal da Nicarágua).

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