Ortega com vitória garantida nas eleições "totalmente falsas"

Os principais opositores do presidente, que está no poder desde 2007 e procura o quarto mandato consecutivo, foram presos e impedidos de concorrer. EUA e UE tecem críticas.
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A Nicarágua vai este domingo a votos, num processo eleitoral que já tem um vencedor à partida: Daniel Ortega. Candidato a um quarto mandato consecutivo, o presidente de 75 anos (que já tinha governado entre 1979 e 1990 após a vitória da revolução sandinista que derrubou a ditadura dos Somoza) afastou toda a concorrência, com sete dos seus opositores detidos e acusados de serem "golpistas". Os EUA e a União Europeia apelidaram de "totalmente falsas" estas eleições que ameaçam isolar ainda mais a Nicarágua.

Ortega concorre em dupla com a mulher, a vice-presidente Rosario Murillo, de 70 anos, e tem como adversários cinco quase desconhecidos, apelidados de "zancudos". A palavra significa "mosquito" e destina-se aos políticos que "fazem o jogo político do regime em troca de prendas ou benefícios", segundo explicou o sociólogo e historiador Oscar René Vargas à BBC. "Os partidos zancudos são chamados assim porque o zancudo chupa o sangue. Estes partidos chupam o sangue ao povo através do dinheiro que recebem", acrescentou.

Quase 4,3 milhões de nicaraguenses estão registados para votar numas eleições onde também vão escolher 90 deputados da Assembleia Nacional. Uma sondagem do instituto Cid-Gallup, publicada há um mês, revelava que nas presidenciais, 65% dos eleitores votariam em qualquer um dos opositores detidos (ou no exílio), com apenas 19% a dizer que votariam em Ortega. Mas outra sondagem, do instituto M&R (ligado ao governo) dá 70,7% das intenções de voto na Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) do presidente, com os outros cinco candidatos a não irem além dos 11,2%.

A candidata favorita da oposição era Cristiana Chamorro, filha de Violeta Chamorro (que derrotou Ortega nas presidenciais de 1990). Mas ela foi impedida de se candidatar, estando em prisão domiciliária como outros opositores, depois de ter sido acusada de pôr em causa a "soberania" da Nicarágua. A acusação, que impediu outros seis candidatos de ir a votos, parte de uma nova lei que foi aprovada em dezembro pela Assembleia Nacional dominada pelo FSLN. Ortega também controla o poder judicial e o eleitoral.

Por estas razões, a reeleição do presidente é dada como garantida. O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, já disse que estas eleição são "totalmente falsas", considerando que a situação é mais preocupante aqui do que na Venezuela - onde haverá eleições locais e regionais. "Estou mais preocupado com a Nicarágua, com que haja eleições totalmente falsas. Não vamos enviar nenhuma missão de observação eleitoral porque o senhor Ortega já prendeu todos os opositores políticos que concorreram às eleições. Não podemos esperar que esse processo produza um resultado legítimo", afirmou Borrell.

Também os EUA consideram que as presidenciais na Nicarágua "uma farsa", com o diretor dos Assuntos para a América Central no Departamento de Estado, Patrick Ventrell, a alegar que estas só vão servir para consolidar uma "ditadura" no país. O Congresso norte-americano já aprovou uma lei que visa pressionar Ortega, não sendo afastada a possibilidade de mais sanções, restrições de vistos ou outras medidas punitivas.

Revolução sandinista
Daniel Ortega, que nasceu a 11 de novembro de 1945, juntou-se no final dos anos 1960 à clandestina Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) que lutou para derrubar a ditadura dos Somoza - pai e filhos, no poder desde 1938. Ortega roubou bancos para financiar a revolução sandinista (batizada em homenagem a Augusto César Sandino, líder da resistência contra a ocupação norte-americana nos anos 1930) e passaria sete anos na prisão. A revolução triunfou em 1979.

Presidente até 1990
Líder da Junta de Governo de Reconstrução Nacional que ficou à frente do país após a revolução, Ortega seria eleito presidente em 1984. Mas teve que enfrentar os "contras", rebeldes treinados e financiados pelos EUA (que em plena Guerra Fria queriam conter os movimentos de esquerda na América Latina). A guerra causou milhares de mortos e, junto com a crise económica, acabaria por resultar na derrota de Ortega nas presidenciais de 1990, ganhas por Violeta Chamorro.

Regresso ao poder para sempre?
A derrota não o afastou da política e Ortega continuou a ser uma voz importante na oposição. Voltou a perder nas presidenciais de 1996 e 2001, mas à terceira foi de vez. Voltou ao poder em 2007 e seria reeleito em 2011, num escrutínio já então considerado "opaco". Em 2014 mudou a Constituição e pôs fim ao limite de mandatos, abrindo a porta a ficar no cargo para sempre. Em 2016 foi reeleito, tendo um dos seus adversários sido impedido de concorrer.

Protestos sangrentos
Em 2018, a reforma das pensões (entretanto abandonada) causou protestos sem precedentes na Nicarágua contra Ortega e a sua mulher, a vice-presidente Rosario Murillo. Ambos são acusados de criar uma ditadura corrupta e nepotista. A repressão sangrenta deixou 325 mortos e mais de cem mil pessoas optaram por sair do país. Os EUA impuseram sanções.

Perseguição à oposição
Na contagem decrescente para estas eleições, 150 opositores foram detidos, incluindo sete candidatos pré-presidenciais (entre eles Cristiana Chamorro, filha de Violeta), acusados de branqueamento de dinheiro ou traição ao abrigo da lei aprovada em dezembro para defender a "soberania" do país. Três partidos também foram ilegalizados.

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