Oriental ou black power, Barbie moderniza-se para travar queda de vendas

Educadoras de infância e pais divergem na opção de compra da boneca que se mantém nas prateleiras há 56 anos.
Publicado a
Atualizado a

Barbies negras e orientais, cabelos lisos e black power, novos estilos de roupa, novos traços faciais e uma nova ideia na cabeça. A boneca, que conta já com 56 anos, tem vindo a adaptar-se às novas tendências de mercado mas mesmo assim não consegue inverter a queda acentuada da procura. Sinal de que os pais procuram outras referências para os filhos, ou consequência da crise que também chegou às lojas de brinquedos? As opiniões dividem-se.

A Mattel - empresa de brinquedos sediada na Califórnia - lançou neste ano uma flashmob com os novos modelos. O vídeo intitulado Who Is Barbie? apresenta a boneca com pés flexíveis, sem saltos e em versões étnicas, mas também com o cabelo rapado ou colorido. "A Barbie, apesar das modas, tem sobrevivido ao longo dos anos." Quem o reconhece é Margarida Campos, colecionadora há mais de 15 anos, frisando que a boneca "continua a acompanhar a evolução das mentalidades". Em 2014, lembra, "a moda era a Violeta" e hoje "há muitas crianças que preferem as bonecas monstrinhos". "O mercado apresenta mais oferta, mais variedade e mais barato, e por isso a Barbie perde", assume a colecionadora de 40 anos, adiantado que em 2003 foi laçada a Barbie princesa do império português - e já neste ano a versão GNR - e que "houve muita procura".

Com mais de 300 bonecas diferentes guardadas, Margarida diz que a Barbie "não é uma boneca cara". "As mais básicas, vendidas nos supermercados, custam 10 euros, e as mais elaboradas (articuladas e com roupas mais cuidadas) podem subir até aos 30 euros." Para os colecionadores, "os valores sobem até aos 300 euros ou mais, pois a boneca é mais perfeita e apresenta roupas criadas por designers de renome internacional".

Segundo a colecionadora, a quebra nas vendas neste tipo de boneca pode estar relacionada com "o fecho de muitas lojas de brinquedos", situação que "tem ocorrido em Portugal e um pouco por todo o lado". Mesmo assim, no mundo existem 120 mil colecionadores e em Portugal cerca de 300.

Mas pais e educadores de infância divergem na altura de falar da boneca mais famosa do mundo. Para Filomena Sousa, "a Barbie tem alguns aspetos positivos", recordando que a filha Catarina "brincava imenso". "Ela desenvolvia o jogo simbólico essencial ao seu crescimento. Assim como o vestir e despir uma Barbie obriga a uma série de sequências que as crianças vão adquirindo com o tempo. Inicialmente elas não sabem o que vestir primeiro. E depois vão adquirindo estas competências sequenciais importantíssimas no trabalho, por exemplo, que é feito no jardim-de-infância a nível da Matemática".

Para a educadora de infância, "as meninas não levam para a escola brinquedos muito mais pedagógicos do que a Barbie", defendendo que os pais "não se preocupam tanto com o que é pedagógico mas compram o que está na moda e às vezes é mais caro".

Já para Cristina Verdasca, a Barbie "é um brinquedo que nada ou pouco tem de pedagógico", pois "apresenta-se como "boneca perfeita, com corpo e roupas de luxo". "A criança deve, na minha opinião, ser educada com base no "não existe perfeição" e "eu sou um ser único, valho pelo que valho". A aparência é importante sim, mas jamais o essencial", refere.

Joana Silva tem 6 anos e não sabe ainda o que é uma Barbie. "Tenho a Violeta e os chorões... com a Violeta eu canto e danço, e com os outros bebés sou a mãe", explica. Alda, a mãe, diz que "nunca" se preocupou em comprar Barbies, apesar de "em pequena ter brincado com uma", frisando que a filha "gosta das bonecas que vê na televisão". "Há muita oferta de bonecas, e as miúdas é que escolhem o que querem."

Marca de biliões

A empresa Mattel, a maior fabricante de brinquedos do mundo, nasceu numa garagem na Califórnia, em 1945, e foi criada por Ruth Handler e o marido Elliot, e um amigo do casal, Harold "Matt" Matson. Em 1959, Ruth criou uma boneca tridimensional e colocou--lhe acessórios (roupas e objetos), dando espaço para as crianças de-senvolverem a criatividade. Desta boneca nasceu a Barbie, apelido da sua filha Bárbara. A família das bonecas aumentou em 1961 com o Ken (o namorado da Barbie), Christie (1968 - a primeira boneca afro--americana), Theresa (1988 - a Barbie latina), Kira (1990 - a Barbie asiática), a Barbie deficiente em cadeira de rodas (1997) e muitas outras e outros. Em 56 anos de existência, foram vendidas mais de mil milhões de Barbies no mundo, representando 15% da receita total da empresa. A Mattel é um dos maiores fabricantes de brinquedos no mundo, faturando cerca de cinco mil milhões de dólares/ano. Só a Barbie traz para os cofres da empresa 1,5 mil milhões. A marca vale dois mil milhões de dólares. A queda de 6% de receitas da Matell no último trimestre de 2014 obrigou à mudança na liderança da empresa, ocorrida já no início deste ano.

Em finais de 2014, o designer Nickolay Lamm criou uma boneca que desafiou os padrões normais da indústria, ao apresentá-la com alguns quilos a mais e sem maquilhagem. Tem ainda celulite e acessórios pouco habituais (autocolantes que simulam acne, estrias e arranhões). O objetivo do seu criador, designer gráfico, era aproximar a imagem tradicional deste tipo de bonecas à realidade da mulher comum. Em entrevista ao The Washington Post, em novembro último, Nickolay explicou: "A Lammily nasceu da necessidade de desconstruir alguns estereótipos sobre o corpo ideal da mulher, que, ao serem impostos ao longo da formação da personalidade destas crianças, acabam por plantar no imaginário dos pré-adolescentes e dos adolescentes muitas inseguranças sobre o seu próprio corpo." "Eu queria mostrar que a vida é bela e que a realidade é tudo o que temos", afirmou, assegurando que a reação das crianças e dos pais foi "excelente".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt