Ordem pede explicações a hospital sobre recusa de medicamento a crianças e assédio a médica
Duas crianças de 13 e 14 anos, com Hemofilia A grave, viram o pedido de prescrição da médica que os acompanha ser recusado pela administração do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), por esta não integrar, agora, o Centro de Referência para o tratamento de doenças raras. Os familiares dizem-se discriminados e o advogado da médica garante que "é o assédio levado ao extremo".
O caso foi noticiado pelo DN na sua edição de sábado - familiares e advogado da médica questionam a recusa do medicamento e a decisão da administração do CHUC, que foi sustentada num protocolo aprovado já depois da prescrição do fármaco por parte da médica a estas crianças. "Se não existisse este protocolo as crianças poderiam receber o medicamento", sustentou o jurista.
Perante a notícia, o bastonário dos médicos, Carlos Cortes, afirmou ao DN ter pedido explicações, com caráter de urgência, à administração hospitalar, à direção clínica e ao diretor do serviço em que esta médica está integrada, para a informação ser remetida ao Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos do Centro e este "avaliar se há matéria que possa ser suscetível de procedimento disciplinar".
Carlos Cortes considera que são duas questões prementes: "Não quero desvalorizar nenhuma, mas, quando está em causa medicação e a saúde de doentes, as respostas das instituições e da própria ordem têm de ser mais céleres. Vamos ver o que o hospital nos diz."
Recorde-se que a médica em causa, que na peça é tratada por Maria e representada pelo advogado do Sindicato dos Médicos do Centro, Miguel Monteiro, já tinha apresentado uma queixa por assédio laboral ao Conselho Disciplinar do Centro, em julho de 2022, mas até hoje não obteve resposta. Carlos Cortes, que se tem declarado contra o assédio laboral na classe médica, diz que importa agora perceber se se está perante um caso desses e se as regras da prática clínica, leges artis, estão ou não a ser cumpridas.
Segundo a informação a que o DN teve acesso, as duas crianças estão impossibilitadas de tomar um medicamento, Emicizumab, autorizado pelo Infarmed no dia 2 de fevereiro deste ano, que melhoraria muito a sua qualidade de vida, por a médica que os acompanha não integrar, neste momento, o Centro de Referência para Doenças Raras.
O advogado da médica destacou, na semana passada, que "as crianças estão a ser tratadas com um fármaco que exige a ministração de Fator VIII entre três a quatro vezes por semana e que o outro medicamento permitiria que fosse uma vez por mês", lembrando ainda que "Maria é médica especialista graduada em doenças raras, nomeadamente do sangue, e foi o seu currículo com vasta experiência na idade pediátrica que permitiu a criação do centro". "Se não fosse o currículo dela, o centro não existia porque não havia ninguém no serviço com a sua experiência em doentes pediátricos", frisou.
Os familiares das crianças, que expuseram o tema à anterior administração do CHUC, já que a nova tomou posse a 1 de novembro, solicitando a distribuição do medicamentos aos filhos, aguardam ainda por respostas.
O CHUC teve uma semana para responder às questões enviadas pelo DN sobre a recusa do mediamento, sobre o protocolo aprovado após a prescrição e sobre o assédio laboral à médica em causa, mas não o fez.
No entanto, emitiu uma nota para as televisões quando foi contactado após a publicação da notícia, onde referia: "Demonstramos total empatia para com as crianças e os seus pais. As crianças encontram-se a seguir o plano terapêutico de acordo com o protocolo aprovado e avaliação clínica. Os protocolos clínicos são reavaliados de acordo com a evidência clínica", confirmando que, "neste momento, o CHUC trata 20 crianças com hemofilia grave. O tratamento destas crianças obedece a um protocolo terapêutico aprovado pela respetiva Comissão de Farmácia e Terapêutica, sob proposta do Centro de Referência. Todos os doentes seguem este protocolo terapêutico. Das 20 crianças em seguimento, 14 encontram-se a receber tratamento com fator VIII e seis Emicizumab."
A notícia veiculada pelo DN apanhou de surpresa a Associação Portuguesa de Hemofilia (APH). O vice-presidente, José Caetano, confirmou que a direção da APH foi "surpreendida com este caso, do qual não tinha conhecimento. Normalmente, as pessoas com hemofilia reportam estas situações à associação, para que façamos uma interpelação aos centros hospitalares e aos serviços no sentido de mediar e resolver".
O vice-presidente destacou ao DN que esta é uma situação que os preocupa, porque, "não está a ser tido em conta o melhor medicamento para tratar as crianças". Por isso, faz um apelo: "Recomendamos às pessoas que sejam tratadas nos centros de referência para este tipo de doença, porque reestruturações nos serviços podem existir sempre."