Orçamento da Defesa para 2015 viola a lei pelo 13.º ano consecutivo
O ministro da Defesa, questionado esta segunda-feira pelo PCP e pelo BE sobre o facto de o orçamento da AMN para 2015 continuar integrado no do ramo naval das Forças Armadas (FA), sublinhou que o importante foi separar as competências entre as duas estruturas civil e militar. Depois disse privilegiar o não desperdício de recursos materiais, humanos e financeiros, pois Portugal "não pode ter duas ou três marinhas".
José Pedro Aguiar-Branco, frisando no debate parlamentar da especialidade sobre o orçamento da Defesa para 2015 que "cumpre a lei", não explicou como é que ocorreria aquela duplicação - que, segundo o seu critério, existirá entre o Exército e a GNR ou a PSP - caso o orçamento da AMN fosse integrado no do Ministério em vez de continuar no da Marinha.
Por responder ficou outra dúvida colocada a Aguiar-Branco: irá eliminar a norma que determina haver um orçamento próprio da AMN?
Lembre-se que a Marinha autopropôs-se há três anos, alegadamente para evitar duplicações e poupar 13 milhões de euros, exercer todas as funções de Autoridade do Estado no Mar - policial, inspetiva, fiscalizadora - apesar de a Constituição o proibir. Mas o ministro, tendo aprovado quinta-feira a separação entre a AMN e o ramo naval das FA, manteve a chave do cofre da Autoridade Marítima nas mãos de um chefe militar.
Essa situação de facto arrasta-se desde 2002, quando a lei aprovou a existência de orçamento próprio na AMN. Em 2012, outro diploma confirmou-o e o ministério assegurou que seria em 2013. Em julho de 2013, Aguiar-Branco assinou mesmo um despacho a determinar que a anomalia fosse corrigida. Hoje, ano e meio depois, nada de novo.
"Mantendo-se o orçamento da Autoridade Marítima numa estrutura que lhe é alheia, receio que a AMN fique cativa da vontade" do chefe da Marinha, alertou Miguel Soares, presidente da Associação Socio-Profissional da Polícia Marítima (PM). Acresce que a lei orgânica da Marinha (LOMAR) "não se altera de um dia para o outro. Logo, não é aceitável que não tenham garantido a necessária alteração orçamental", adiantou.
A juntar a isso, do que se conhece da nova LOMAR (ainda sob sigilo) não parece ficar assegurada a autonomia da AMN para que Portugal possa ter um instrumento civil - a que os países ocidentais genericamente chamam Guarda Costeira - para se dirigir aos cidadãos e fazer cumprir a lei no mar.
Embora a LOMAR diga que os órgãos e serviços da AMN "deixam de integrar" as FA, o diploma define que é o chefe militar da Marinha a propor ao Governo a nomeação de militares para a AMN - em rigor, para dirigirem e comandarem os seus órgãos de topo. Permite ainda que mais oficiais acumulem as respetivas funções castrenses com as da AMN, onde alguns são comandantes da PM. Cria também cargos inexistentes na lei, como o de "comandante naval/comandante das operações marítimas" - o que faz lembrar a entretanto abandonada fórmula "Marinha/AMN", surgida do nada numa lei de 2008.
Com o chefe da Marinha a declarar há dias que a AMN "é uma emanação da Marinha", aquelas e outras normas da LOMAR deixam no ar a dúvida sobre se - mais uma vez desde 2002 - vai mudar-se algo para ficar tudo na mesma. "É pior, pois nunca houve esta coincidência de o comandante naval ser também o diretor-geral da Autoridade Marítima. Isto é destruir totalmente a autonomia da AMN", sustentou o engenheiro naval Jorge Silva Paulo.
Para este oficial superior da Marinha, a LOMAR "pode criar órgãos da Marinha, mas não pode criar ou falar de órgãos de outros serviços. É absurdo e inaceitável". Mais, "é um chefe militar que propõe quem vai ser o comandante das operações marítimas? Isto é linearmente inconstitucional."
Miguel Soares questionou: "Porque é que o chefe do Exército não propõe a nomeação do comandante-geral da GNR? E porque é que o chefe do Estado-Maior General não acumula o cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna?" Silva Paulo adiantou: "Algum democrata concebe que o comandante das Forças Terrestres [do Exército] seja também comandante-geral da GNR ou diretor nacional da PSP?"
Para o juiz conselheiro Bernardo Colaço, "o domínio militar no policiamento civil desvirtua, não só a função desta, como a do setor militar, dada a deslocação funcional a que se presta e que é, no mínimo, inconstitucional". No caso da PM, órgão de polícia criminal integrado na AMN, "não pode estar sujeita nem ser condicionada na sua atividade funcional pela componente militar, sob pena de perigoso desvio ao princípio da legalidade e da objetividade que preside à atividade geral de uma força de segurança".