Orçamento 2022: take 2
A maior novidade que o primeiro Orçamento do Estado do governo socialista de maioria absoluta trouxe foi ter sido entregue e apresentado com menos de 15 minutos de atraso relativamente à hora marcada. Na sua estreia a liderar as Finanças, Fernando Medina pode não ter intervindo em mais do que mudar umas vírgulas no documento que João Leão e António Costa viram chumbado em outubro, aditivado ainda pelo seu antecessor com os apoios à emergência da nova crise que chegou com a guerra na Europa. Mas esta vitória já ninguém lhe tira: prometeu e cumpriu a entrega antes das 15.00.
De resto, o Orçamento que Medina subscreve como "seu" e que assegura que se cose pelas linhas do investimento e do apoio a empresas e famílias - conceitos inconfundíveis com austeridade, à luz de qualquer manual de Economia, como frisou, recordando os tempos de faculdade - pouco traz que não se antecipasse já que ali viria. Até as contas certas, com destaque para o objetivo do défice nos 1,9%, se mantêm como grande foco num planeamento que se baseia no costumeiro otimismo do chefe do governo, prevendo menos desemprego, redução da dívida e poucos soluços.
Os apoios para as empresas são os antes anunciados, incluindo receita fiscal empenhada a troco de controlar a subida a pique nos custos energéticos. As ajudas às famílias mais pobres chegam a 60 euros e meia botija de gás, além das receitas já prescritas para todos - dos dois meses de AUTOVoucher à subida extraordinária de dez euros nas pensões mais baixas e desdobramento dos dois escalões do IRS (3.º e 6.º). Com a certeza de que o governo não irá cair na armadilha de puxar mais pelos salários para não espicaçar ainda mais a inflação.
Resumindo, o que ontem chegou à Assembleia foi um upgrade do OE2022 que borregou em outubro. Foram alterados os pressupostos à luz da nova realidade da guerra, que rebentou com todas as projeções que antes lhe serviam de chão - mais inflação, petróleo mais caro, mais despesa, menos crescimento. Mas pela fasquia mínima: inflação média nos 4% (está neste momento acima; veremos o que o resto do ano traz), subida do petróleo limitada a 6 dólares acima do valor atual, turismo pujante a segurar a atividade económica. O que justifica os avisos sobre "riscos" e a "elevada incerteza" que Medina reconhece que fazem abanar, apesar de o ministro das Finanças estar nos antípodas desses pessimistas que têm pensamentos negros e até já antecipam que as coisas podem correr mal.
Quando for preciso avançar com medidas mais robustas para a sobrevivência das empresas, por exemplo - algo do calibre do lay-off simplificado, fazendo disparar a despesa. Ou quando vier o verão e os turistas faltarem à chamada porque não têm como pagar os novos preços dos bilhetes de avião.
Em apenas duas semanas a previsão do valor que será preciso gastar para fazer face aos efeitos da guerra subiu 16%. Se isto não é combustível para as ideias dos pessimistas que acreditam que este OE não chega a outubro sem versão 2.0...