Orbán volta a desafiar Bruxelas com referendo sobre refugiados
Os húngaros vão hoje às urnas, chamados a votar em referendo o projeto europeu para, através de um sistema de quotas, distribuir pelos vários países os migrantes que entraram na Europa à procura de asilo. "Quer que a União Europeia possa ordenar à Hungria o acolhimento obrigatório de cidadãos não húngaros sem o consentimento do Parlamento?" Esta é a questão que aparece nos boletins. "Sim" ou "não" são as respostas possíveis.
"O meu partido encoraja as pessoas a não ir votar. Queremos boicotar o referendo porque a pergunta está errada e é manipuladora. Não é possível dar uma boa resposta a uma pergunta estúpida", lamenta ao DN o eurodeputado húngaro Benedek Jávor, membro da bancada Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia.
O governo liderado pelo controverso Viktor Orbán convocou a consulta popular em fevereiro, depois de os vários ministros europeus do Interior terem decidido, em setembro do ano passado, que 120 mil migrantes - então retidos em Itália, Grécia e Hungria - seriam distribuídos pelos vários países europeus, num período de dois anos, através de um sistema de quotas.
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Em todas as sondagens realizadas até agora o "não" vence com mais de 60%. Numa das mais recentes, realizada pela empresa Republikon entre os dias 21 e 27 de setembro, o "sim" recolhia apenas 5% contra 70% do "não". Os restantes dividiam-se entre indecisos (16%) e aqueles que consideram a consulta inválida e defendem o boicote (9%).
"Este referendo nada tem que ver com a política migratória da UE. O único objetivo é incutir medo, reforçar os sentimentos anti-europeístas e desviar a atenção do falhanço estrondoso de Orbán na Saúde, Educação e Economia. Na Hungria, o primado da lei foi substituído pelo primado do medo", sublinha, em declarações ao DN, outro eurodeputado húngaro, Csaba Molnár, eleito pela Coligação Democrática, partido de centro-esquerda liderado pelo ex-primeiro-ministro Ferenc Gyurcsány (2004-2009).
Tendo em conta o domínio que Orbán exerce na política húngara, controlando mais de dois terços do Parlamento, não é de estranhar a liderança destacada com que o "não" surge nas sondagens.
Resta saber se o referendo será considerado válido. Para que assim aconteça mais de 50% dos eleitores têm de comparecer nas urnas. "Se a afluência não for suficiente para validar a votação isso representará um grande golpe para Orbán e para o seu governo", explica Molnár. "Se isso acontecer o primeiro-ministro terá de apresentar a demissão", acrescenta o mesmo eurodeputado.
Jávor também acalenta esperanças nesse sentido: "Acredito que, apesar da propaganda agressiva e deplorável que tem vindo a ser feita por parte do Fidesz e do governo, a maior parte da população não irá votar". Em teoria, as sondagens não corroboram o aparente otimismo dos eurodeputados hostis a Orbán.
Quem tem uma visão totalmente contrária é György Schöpflin, eleito para o Parlamento Europeu nas listas do partido do governo. Integrado na bancada do Partido Popular Europeu - a mesma onde se sentam os deputados da CDU de Angela Merkel - Schöpflin defende que "a UE não tem poderes para impor quotas".
Têm sido muitas as declarações de Orbán sobre a questão dos refugiados a criar controvérsia e mal-estar no seio da União Europeia. "A Hungria não precisa de um único migrante para ajudar a economia. Quem os quiser que fique com eles. Para nós a migração não é uma solução para um problema, mas sim um veneno que não queremos engolir. Cada migrante implica um risco em matéria de segurança e terrorismo", afirmou o primeiro-ministro, em julho, numa conferência de imprensa em Budapeste.
Em total antagonismo com Orbán estão os eurodeputados dos partidos da oposição que falaram com o DN. "Este comportamento é um mau exemplo para toda a Europa. O terrorismo não é uma consequência das migrações. A maioria dos refugiados estão a fugir dos mesmos grupos terroristas que atacam na Europa", defende Benedek Jávor. "Qualquer país desenvolvido tem a responsabilidade de ajudar aqueles que enfrentam a guerra, a morte e outras coisas terríveis. Nós, húngaros, também fomos refugiados em 1956 quando os tanques soviéticos invadiram Budapeste. Mais de 200 mil fugiram do país e foram bem recebidos no Ocidente. Isto é algo que nunca devemos esquecer", acrescenta Molnár.
Desde que regressou ao governo em 2010 (já ocupara o cargo de primeiro-ministro entre 1998 e 2002), Orbán tem sido uma constante dor de cabeça para a União Europeia. Em maio de 2015, em Riga, o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, na receção aos líderes europeus que iam participar na cimeira, saudou o primeiro-ministro húngaro com um afável e sorridente "olá, ditador".
Ao garantir mais de dois terços do Parlamento, Orbán viu-se legitimado - e com uma maioria suficiente - para levar a cabo várias alterações legislativas e constitucionais consideradas pouco democráticas pela Europa. Uma das mudanças mais polémicas foi a criação de um observatório da comunicação social com poder para aplicar multas pela publicação de conteúdos "politicamente pouco equilibrados".
No início da crise de refugiados, Orbán referiu-se à questão como "um problema da Alemanha", insistindo que "os húngaros têm o direito de não querer viver ao lado de largas comunidades muçulmanas". Uma visão que o levou a levantar uma barreira de arame farpado ao longo dos 175 quilómetros de fronteira com a Sérvia. Outro dos momentos em que também desafiou a UE foi quando criticou a imposição de sanções à Rússia na sequência da anexação da Crimeia.
"Infelizmente as acusações de xenofobia e racismo aplicadas a Orbán não são infundadas", lamenta Molnár. Já para Schöpflin, trata-se de "um excelente político, que pensa muito bem e que tem uma visão da Europa contrária à hegemonia liberal dos nossos dias".
Hoje a Hungria está dividida entre o "sim" e o "não".
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