Orbán diz que impediu "guerrilha ideológica" de decidir cargos europeus

O Fidesz, partido de Viktor Orbán, quer que o Partido Popular Europeu (PPE) assuma posições mais duras em relação à imigração, que regresse às origens e vire à direita, rompendo e afastando-se dos socialistas
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Embora atualmente suspenso, o Fidesz é, depois das últimas europeias, o terceiro maior partido do Partido Popular Europeu. Sabendo dessa posição, o seu líder, Viktor Orbán, que é também o primeiro-ministro da Hungria, bloqueou o acordo de princípio a que se tinha chegado sobre a repartição dos cargos de topo da União Europeia. Sabendo dessa posição, o líder húngaro, de 56 anos, membro do chamado grupo de Visegrado, continua a enviar recados aos restantes governantes da UE e ao PPE. Deixando a escolha sobre o futuro do Fidesz nas mãos do PPE. Se quiserem que o partido fique naquele que ainda é o maior grupo político no Parlamento Europeu têm que fazer como ele quer. Caso contrário, sai, levando os eurodeputados conservadores húngaros para engrossar as fileiras de um qualquer outro grupo político na eurocâmara.

Num discurso de verão que fez este fim de semana na cidade romena de Baile Tusnad, onde há uma minoria húngara, Orbán congratulou-se com o facto de ter conseguido impedir que guerrilhas ideológicas ficassem com os cargos de topo na UE. "A Hungria está hoje no caminho certo, com boas finanças, uma dívida em queda, crescimento em alta, salários a subir, as pequenas e médias empresas a fortalecerem-se, tal como as famílias e o espírito de construção da nação. Claro que todos podem - e devem - fazer melhor. Os cidadãos húngaros, as empresas, o governo. Mas a realidade é que a ameaça ao progresso da Hungria não vem de dentro do país mas sim de fora. O que está a acontecer na Hungria é que nós estamos a travar estes ataques e a tentar defender a Hungria deles. O que são eles? Já travámos o primeiro ataque com sucesso. Ele manifestou-se sob a forma de pessoas hostis e sem capacidade para liderar as instituições europeias que são importantes para nós. Não vou elaborar sobre todos os detalhes. Mas travámos manobras complicadas. Em todo o lado bloqueámos os candidatos de George Soros. Em todo o lado, Impedimos que as guerrilhas ideológicas se instalassem no topo de importantes instituições europeias e, para liderar a Comissão, nós escolhemos uma mãe de sete filhos por pragmatismo. Mas claro que a batalha dentro das instituições ainda não acabou", disse Orbán, segundo um discurso em inglês que foi disponibilizado no Twitter pelo seu porta-voz Zoltan Kovacs.

A mãe de sete filhos a que se referia é Ursula von der Leyen, ex-ministra da Defesa alemã, que foi escolhida pelo Conselho Europeu - e já confirmada pelo Parlamento Europeu - como próxima presidente da Comissão Europeia. O nome de Von der Leyen, que não estava entre os candidatos à sucessão de Jean-Claude Juncker no âmbito do processo do Spitzenkandidat, surgiu à última hora depois de Orbán e os restantes líderes do grupo de Visegrado terem vetado a solução de compromisso negociada, à margem da cimeira do G20, no Japão, por Angela Merkel e Emmanuel Macron. Segundo o acordo de compromisso obtido entre a chanceler alemã e o presidente francês o presidente da Comissão seria o holandês Frans Timmermans, candidato dos socialistas no processo do Spitzenkandidat, ficando o alemão Manfred Weber, do PPE, como presidente do Parlamento Europeu. Orbán não queria nem um nem outro. E, horas antes da decisão do Conselho, avisou que seria um "erro histórico" o PPE apoiar o nome de Timmermans para a Comissão.

Timmermans, na atual Comissão de Juncker, tem sido a voz crítica da Hungria e de outros países, como a Polónia, apontando-lhes o dedo por violações do estado de direito e exigindo respeito pelos valores da UE. No discurso que fez naquela aldeia romena, o líder do Fidesz, cujo governo ergueu uma vedação anti-imigrantes no país, reafirmou a sua oposição à forma como a UE lida com a crise migratória. "Em vez de imigrantes, as famílias europeias devem receber é dinheiro para poderem assumir o compromisso de terem mais filhos", declarou, questionando-se se isso será possível uma vez que se adivinham tempos difíceis na Europa, sobretudo na Europa Ocidental, onde o crescimento desacelera. "A Alemanha está claramente a preparar-se para um governo coligação entre a CDU e os Verdes não baseado no mercado. Esta é, apesar de tudo, a maior economia europeia. Então temos que estar preparados para o facto de os nossos parceiros da Europa Ocidental não se conseguirem desenvolver e crescer da forma que nós gostaríamos".

Sobre as críticas que normalmente são dirigidas à Hungria, vindas de várias partes, na UE, o chefe do governo húngaro arremeteu contra a Finlândia, país que está, atualmente, na presidência do Conselho da UE. "Agora, por exemplo, estamos a entrar num período em que os nossos amigos finlandeses vão avaliar a situação na Hungria. Vamos fazer isso em conjunto com os nossos amigos finlandeses. A Finlândia, senhoras e senhores, é um país onde não há Tribunal Constitucional. A defesa da Constituição é delegada numa comissão parlamentar especial criada para o efeito. Imaginem o que aconteceria se a Hungria anunciasse a dissolução do Tribunal Constitucional e a criação de comissão parlamentar especial para tratar dos assuntos constitucionais, pela defesa e pela observância da Constituição", declarou, com ironia.

Defendendo o seu conceito de democracia iliberal, como alternativa à democracia liberal, Orbán afirmou no discurso de verão que fez na região da Transilvânia que só essa democracia iliberal garante uma liberdade cristã. "Por onde quer que seja que eu olhe, não posso dar uma melhor definição para política iliberal do que liberdade cristã, liberdade cristã, proteção da liberdade cristã. A política iliberal trabalha para uma liberdade cristã e procura preservar tudo o que os liberais negligenciam, esquecem e desprezam. A questão com que nos deparamos é a de saber se a cultura cristã e a liberdade cristã precisa de proteção. A minha resposta é que, hoje em dia, há dois tipos de ataques contra a liberdade cristã: uma vem de dentro e dos liberais - com o abandono da cultura cristã na Europa - a outra vem de fora e assuma a forma da imigração, tendo como resultado - se não como objetivo - a destruição da Europa que nós conhecemos como Europa".

No seu discurso, Orbán referiu ainda, como é óbvio, a situação da suspensão do Fidesz. O PPE suspendeu o partido conservador húngaro, depois de vários avisos, por sucessivas violações do estado de direito e dos valores europeus por parte do governo húngaro e as acusações feitas a Jean-Claude Juncker por causa da crise migratória (recorde-se que Juncker é, tal como Orbán, um membro de longa data do PPE). "A acrescentar aos absurdos europeus, há um outro importante que estamos a enfrentar e que é o futuro estatuto do Fidesz no PPE. Temos que esperar até que a situação se torne mais clara. Nós sabemos o que queremos. Temos que esperar que o PPE decida o seu próprio futuro. E isso não irá acontecer antes do próximo congresso no outono". O próximo congresso do Partido Popular Europeu está marcado para os dias 20 e 21 de novembro na Croácia.

Neste contexto, em entrevista à versão croata do site Euractiv.com, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria defendeu que o PPE deve voltar às suas origens, virando à direita, afastando-se dos socialistas. "Helmut Kohl convidou-nos para entrar no grupo mas será, em última análise, uma decisão nossa ficar ou sair do grupo. Nós somos, de longe, o partido mais bem-sucedido do PPE. Mas temos as nossas linhas vermelhas. Como deixámos claro, o PPE deve voltar às origens, ao sítio em que estava na altura em que nós aderimos. O PPE deslocou-se para a esquerda", declarou Péter Szijjártó, na conversa com aquele site especializado em assuntos europeus.

"Os dois componentes têm-se moldado um ao outro durante décadas, mas os Socialistas e Democratas moldaram mais o PPE do que o contrário. Não é segredo para ninguém que queremos ver o PPE abrir mais para a direita do que para a esquerda. Mas tudo ficará decidido em breve. O PPE tem que começar a representar a democracia cristã outra vez. O assunto-chave para nós, aquele que irá eventualmente decidir o futuro, é a imigração", sublinhou o ministro, questionado em seguida sobre que grupo político poderia o Fidesz integrar se saísse, de facto, do PPE. "Para ser honesto, ainda não avaliámos as nossas posições. Atualmente, estamos no PPE e lá gostaríamos de continuar", concluiu o chefe da diplomacia do governo liderado por Viktor Orbán na Hungria.

Na semana passada, Frans Timmernans, malogrado candidato, criticou a influência da Hungria no PPE. "Não posso dizer que estou exultante. Claro que é desapontante quando não és eleito presidente da Comissão Europeia, mas são os países que decidem o que pensam que é do seu interesse", afirmou o ainda primeiro vice-presidente da atual Comissão Juncker, naquela que foi a sua primeira reação pública em Bruxelas ao veto que o impediu de chegar à presidência da Comissão. O holandês apontou as suas críticas "especialmente a um número de países liderados pelo PPE que decidiram seguir a fundamentação que foi apresentada pelos primeiros-ministros de Polónia e Hungria".

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