"Eles ganham nas sondagens, nós ganhamos as eleições." Diante dos números que apontam para uma vitória da oposição nas parlamentares de hoje, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, mantém-se confiante. Afinal, prometeu que o chavismo, no poder há 16 anos, venceria "como sea", isto é, de uma maneira ou outra. Para a oposição, as eleições de hoje são "o ponto de partida para a mudança que virá na Venezuela". Mas essa mudança dependerá do tamanho da vitória..Quase 20 milhões de venezuelanos são hoje chamados a eleger os 167 deputados da Assembleia Nacional, dominada pelos chavistas. Há meses que as sondagens apontam para a vitória da oposição. A última da Datanálisis, do final de novembro, revelava que 55,6% dos inquiridos iam votar nos candidatos da Mesa de Unidade Democrática (MUD), que agrega a maioria dos partidos da oposição. O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) surgia com 36,8% das intenções de voto. Mas há um bom indicador para os chavistas: a popularidade de Maduro subiu 11 pontos percentuais num mês, para os 32,3%.."Mais do que um triunfo opositor, o que determinará o futuro do país nos próximos anos será como o chavismo perde as eleições legislativas. Essa é a verdadeira incógnita eleitoral", escreveu o analista Michael Penfold, num artigo publicado no site Prodavinci.com. Tudo porque, em primeiro lugar, mais de 50% dos votos não significa mais deputados. Depois porque há uma diferença entre uma vitória da oposição por maioria simples (84 deputados), por maioria absoluta (100) ou por maioria qualificada (111)..Gerrymandering: a palavra que em teoria política explica o que acontece na Venezuela. A primeira vez que foi usada, em 1812, referia-se ao governador de Massachusetts, Elbridge Gerry, que redesenhou os distritos eleitorais para favorecer o seu partido, criando na zona de Boston o que parecia uma salamandra (salamander, em inglês). Da junção do seu apelido com o nome do animal surgiu a expressão gerrymandering..Na Venezuela, com a desculpa de representar as minorias, as zonas onde tradicionalmente o chavismo tem mais força acabaram por sair reforçadas, de forma a minimizar o número de deputados eleitos pelas zonas mais próximas da oposição. Assim, uma maioria de votos não significa automaticamente uma maioria de deputados - em 2010, por exemplo, apesar de o chavismo ter vencido por menos de 1% dos votos, conquistou mais 33 deputados do que a MUD." Ainda assim, suficientes para travar a maioria de dois terços do PSUV, partido que tem como líder Nicolás Maduro e n.º 2 Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional..Poder depende do tipo de maioria.Um dos cenários possíveis é o de uma maioria simples da oposição não ser uma maioria simples da MUD, isto é, incluir deputados independentes e de terceiros partidos que são próximos do governo. Entre eles, o Min-Unidad, que a oposição diz ter sido criado pelos chavistas para confundir os eleitores. "Esta é a derrota ideal para o chavismo: perde as eleições, mas ao aceitar a derrota legitima-se internacionalmente", escreve Penfold, lembrando que Maduro poderia governar com uma oposição que considera leal, entregando até postos-chaves como a vice-presidência..Com maioria simples é possível aprovar o Orçamento, introduzir emendas à Constituição e até aprovar uma lei de amnistia, que poderia libertar os presos políticos, como o líder do partido Vontade Popular, Leopoldo López, ou o ex--autarca de Caracas Antonio Ledezma. Esta última opção seria quase certa se a MUD conseguisse sozinha a maioria simples..Mas, perante este cenário, a atual Assembleia (que só cessa funções a 5 de janeiro) poderá aprovar uma nova lei habilitante, que esvaziaria o poder dos deputados eleitos a favor do presidente. Mesmo sem essa lei habilitante, Maduro pode ainda vetar os projetos de lei aprovados pela oposição e, em última análise, enviá-los para o Tribunal Constitucional (dominado pelo chavismo). O que significaria um conflito entre poderes executivo e legislativo..Num caso de vitória por maioria absoluta (cem deputados), a oposição teria o poder não só para aprovar mas também para revogar as leis habilitantes. E para demitir qualquer ministro ou vice-presidente. O governo estaria então obrigado a negociar um acordo político para assegurar a estabilidade, sob ameaça da pressão social e política que resultaria na sua renúncia ou na dissolução da Assembleia Nacional..Penfold refere também que nesse caso existe a possibilidade de se abrir uma cisão no chavismo. Alguns deputados poderiam decidir votar a favor da oposição, possibilitando a existência de uma maioria qualificada (mais de dois terços) na Assembleia. Esse é o terceiro cenário que pode acontecer também nas urnas caso a oposição conquiste 111 deputados. Nessa altura, a oposição teria um poder quase absoluto sobre os poderes públicos e podia levar a uma reforma constitucional ou à convocação de uma Assembleia Constituinte. "Temos de ver o dia 6 como o ponto de partida para a mudança", disse o governador de Miranda e por duas vezes candidato presidencial da oposição, Henrique Capriles. "Isto tem de mudar", acrescentou..Crise e pressão.As eleições surgem num momento de grave crise económica, com escassez de produtos, inflação que pode chegar aos 200%, queda do preço do petróleo (que financia as políticas chavistas) e previsão de contração do PIB de 8%. A campanha, que a oposição disse ter sido a "mais suja dos últimos 17 anos", ficou marcada pela violência, incluindo a morte num comício de um dirigente local da oposição, Luis Manuel Díaz. Mais de 163 mil militares vão hoje garantir a segurança. As urnas abrem às 06.00 e fecham às 18.00 (22.30 em Lisboa). As eleições decorrem sem observadores internacionais da Organização de Estados Americanos - Maduro chamou "lixo" ao secretário-geral, Luis Almagro, que elevou o tom das críticas e considerou a morte do opositor "uma ferida mortal para a democracia". Também o Parlamento Europeu cancelou a missão, por questões de segurança. Vários eurodeputados resolveram, contudo, ir numa delegação não oficial.