Oportunidade para "Missão 100 mil casas"
Uma missão, para responder à escala do problema que enfrenta, tem de ser ambiciosa. E uma missão, para não gerar frustrações nem desmobilizar, tem de ser realizável.
É entre estes dois pólos que tem de se encontrar a resposta à crise da habitação, e é essa a oportunidade que o veto político do Presidente da República ao pacote "Mais habitação" permitiria à Assembleia da República abalançar-se a fazer. Infelizmente, a maioria absoluta do Partido Socialista já anunciou que irá votar a sua legislação sem mais alterações, e a oportunidade perder-se-á. Mas vale a pena descrever que oportunidade seria essa, para memória futura e porque o país continuará a precisar de uma resposta à crise da habitação. Não há nenhuma missão bem sucedida, marca de uma sociedade madura e com capacidade de realização, que não tenha sido uma ideia antes.
Vamos então à ideia. A crise da habitação não é só portuguesa, mas em Portugal é mais grave e mais profunda porque se junta um país atrativo para segmentos do mercado global com muita capacidade de compra e especulação com uma economia de salários baixos e a inexistência de um amortecedor sob a forma de um grande parque de habitação pública ou, pelo menos, fora do mercado especulativo. E a crise está para se agravar porque as grandes tendências que já existiam antes da pandemia (no turismo de massas, por exemplo) estão a regressar com mais força ainda. Não basta portanto "começar a fazer qualquer coisa" para que o problema se comece a atenuar. O tsunami ainda vem aí.
Fora das demagogias e dos alarmismos -- que, como se viu, não convenceram sequer o Presidente da República a avançar para um reenvio ao Tribunal Constitucional -- o pacote "Mais habitação" não é mau por ter coisas más; é insuficiente por ter acima de tudo pequenas coisas. Onde o governo falha é por não ter um pensamento de crise mas apenas gestão de problema. E esses dois modos de enquadramento e de ação são manifestamente diferentes. Quando António Costa ou Marina Gonçalves dizem que "não acordaram para o problema da habitação agora" ou que as câmaras municipais estão a preparar as suas estratégias municipais de habitação com as quais "irão respondendo" às necessidades revelam, por contraste com a dimensão do problema, que estão agora a pensar no tipo de medidas que eventualmente teriam sido apropriadas -- mas nem aí suficientes -- há dez anos atrás. Não são as medidas de agora nem dos próximos dez anos.
O que falta no "Mais habitação" -- e isso o Presidente da República identificou corretamente -- é uma alocação em grande escala de fundos públicos para construir, reabilitar e renovar habitação. E isso, à parte alguma utilização de fundos europeus, o plano do governo não tem, como não tem um número global de casas que pretenderia construir. A Ministra da Habitação diz que não gosta de se comprometer com números, e esse é mais um sinal que está a pensar gerir um problema e não resolver uma crise. Uma crise destas resolve-se com uma missão, e essa missão tem de ter um número, ou de outra forma a sociedade não consegue sequer acreditar que os governantes veem a mesma crise que as pessoas veem, nem que têm vontade política para a resolver.
Do lado do LIVRE, propusemos que o número fosse de 100 mil casas a construir para aumentar o parque público e não-especulativo de habitação. Propusemos que fosse criada a estrutura de missão para o fazer, integrada no Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e com os meios necessários para a escala da missão.
Propusemos que essa missão fosse dotada de pelo menos 0,5% anuais de PIB no orçamento nos próximos dez anos. E propusemos que o programa fosse autosustentável, dirigindo-se a todas as gamas de rendimentos e tipologias de habitação com custos abaixo de uma taxa de esforço determinada para cada categoria de rendimento, para um tipo de arrendamento ou propriedade com regras para que estas casas não fossem sugadas pelo mercado especulativo.
Dizem-nos que o problema é as cidades portuguesas serem muito atrativas. Esse não é um problema; é até uma solução. O problema é elas não terem aquilo que cidades atrativas como Amesterdão e Viena têm -- um parque não-especulativo de cerca de um terço das casas nos Países Baixos, ou um parque público de 60% das casas em Viena. Está na hora de nos darmos esse objetivo como missão.
Deputado único do LIVRE