Operadores investem menos mas recuperam rendibilidade

Investimento no setor das telecom recuou, mas o retorno do mesmo voltou a crescer. Empresas dizem que investiam mais não fosse a "sobrecarga" de taxas regulatórias.
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O nível de investimento no setor das telecomunicações diminuiu, mas os operadores garantem que continuam a investir acima da média europeia - e asseguram que só não investem mais porque há uma "sobrecarga" com os custos das taxas regulatórias. Mesmo assim, investe-se mais do que antes da pandemia e o retorno do investimento está novamente a crescer.

No final de 2022, o investimento global no setor das telecomunicações ascendia a mais de 1,5 mil milhões de euros, menos 6,72% face a 2021. O investimento exclusivo à atividade telco caiu 1%, para 864,8 milhões de euros, segundo o estudo "Mercado das Comunicações na Economia Nacional (2018-2022)" que a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) publicou no mês de novembro.

O regulador refere que a variação negativa do investimento no setor ocorreu um ano depois de se registar o nível de investimento "mais elevado dos últimos cincos anos", devido ao leilão do 5G. Quer dizer que houve um ajuste do investimento anual do setor, após os operadores terem pago mais de 500 milhões de euros na aquisição de espetro. Aliás, o investimento no último ano manteve-se muito acima do que era praticado antes do leilão.

Sem identificar as empresas, a Anacom realça que o ajuste resultou, "no essencial, da redução no investimento de dois prestadores pertencentes ao mesmo grupo económico (um dos quais, uma das quatro empresas com maior peso no mercado das comunicações eletrónicas) e, ainda, por um outro prestador das quatro empresas com maior dimensão no setor". Por outro lado, acrescenta que, "considerando os quatro prestadores com maior relevância no setor [Altice, NOS, Vodafone e Nowo], dois deles registaram um acréscimo no valor do investimento".

Apesar do investimento ter abrandado, o rendimento oriundo exclusivamente das telecomunicações cresceu 3,5% em 2022, para 4,7 mil milhões de euros. A subida do rendimento deveu-se ao "crescimento do negócio fixo e do negócio móvel de três dos prestadores com maior peso no setor [Altice, NOS e Vodafone] e de um outro prestador que é detido maioritariamente por um desses prestadores".

Acresce a recuperação dos rácios de rendibilidade, ou seja, dos indicadores que dizem se o negócio está a ser rentável. O lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA) das empresas que atuam na área das comunicações eletrónicas (cuja principal atividade pode não ser as telecomunicações) cresceu mais de 21% em termos homólogos, para 2,4 mil milhões de euros. A Anacom explica que o disparo no EBITDA do setor deveu-se a "uma empresa cuja atividade principal não é as comunicações eletrónicas", que recuperou bastante atividade após o levantamento das restrições da pandemia. Ainda assim, "no conjunto das empresas que atuam no setor, cerca de 61% registaram um valor positivo para este indicador".

A margem EBITDA do setor fixou-se em 35,45% (mais 3,55 pontos percentuais, ou p.p, face a 2021). A rentabilidade do ativo ficou em 14,3% (+2,44 p.p), a rentabilidade económica ficou em 5,14 (+3,94 p.p) e a rendibilidade do investimento (vulgo ROI, sigla inglesa para return on investment) estabeleceu-se em 57,86%, mais 36,4 pontos percentuais do que em 2021. Não obstante os desafios económicos do setor, o ganho das telecom nacionais com os investimentos feitos tinha recuado bastante nos anos da pandemia (2020 e 2021), quando em 2018 situava-se em 106,16%.

O peso do setor das telecomunicações na economia portuguesa fixou-se em 2%, enquanto o valor acrescentado bruto corresponde a 1,3% do produto interno bruto.

O mesmo estudo reporta que o número médio de empregados afetos exclusivamente às telecomunicações era de 7 469 trabalhadores no final de 2022, mais 1,6% do que em 2021, quando se registou o nível de emprego mais baixo até hoje (setor já não contrata nem atrai como noutros tempos). "Este acréscimo deveu-se principalmente à contratação de trabalhadores por parte de um novo prestador que se encontra a preparar o início da sua oferta de serviços, em Portugal, [depreende-se que se trata da Digi] e ainda a um outro prestador com peso significativo no setor", lê-se.

Para o secretário-geral da Associação Operadores de Comunicações Eletrónicas (Apritel) não há dúvidas que o setor é "essencial para a economia e para a sociedade". E o desafio atual não é "apenas" que o setor seja "economicamente relevante", mas "garantir que é economicamente sustentável".

Pedro Mota Soares vai além do período que consta no estudo da Anacom e salienta que "o investimento do setor entre 2016 e 2022 atingiu cerca de 6 mil milhões de euros", o que - afirma - tem "repercussões evidentes no aumento da qualidade e cobertura de redes e serviços nos últimos anos". De acordo com o responsável, o "peso do investimento total no setor continua a ser superior a 3% do investimento total (FBCF) em Portugal".

"Em comparação com os restantes países da Europa, o nível de investimento do setor é muito superior à média europeia. Fruto deste investimento", argumenta o líder da associação setorial.

Como pode, então, o setor manter-se relevante e sustentável? "O setor precisa de visão estratégica de médio e longo prazo, que promova o investimento em infraestruturas e inovação, em benefício e defesa dos interesses dos utilizadores", responde, apelando a que as "várias autoridades promovam e defendam o setor a nível nacional e internacional, reconhecendo o seu contributo para o desenvolvimento do país".

"Nos últimos dez anos, o setor pagou mais de mil milhões de euros em taxas regulatórias, além de todos os impostos e contribuições sociais", nota o responsável. O relatório de contas da Anacom de 2022 indica que os operadores pagaram mais de 113 milhões de euros em taxas referentes às telecomunicações e direitos sobre frequências.

Por isso, defende que "essa sobrecarga do setor não faz sentido e acaba por ser inimiga do investimento e inovação". E lembra que a atividade do regulador registou um resultado líquido na ordem dos 50 milhões de euros, em 2022, "devido ao aumento das taxas cobradas ao setor das comunicações".

O líder da Apritel defende, desta forma, que o setor precisa "de desoneração e precisamos de visão de longo prazo por parte do Estado e dos reguladores.

"Precisamos de estabilidade legislativa e regulatória, precisamos de desoneração e precisamos de visão de longo prazo por parte do Estado e dos reguladores", afirma, defendendo que as medidas de impacte regulatório devem ser analisadas.

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