As ramificações da Operação Lava-Jato não atingem apenas o PT, de Dilma Rousseff e Lula da Silva. O partido em números absolutos e relativos mais atingido pelas investigações do juiz Sérgio Moro é o PP, que em vésperas da votação do processo de impeachment trocou a base de apoio do governo pela oposição, e a seguir vem o PMDB, do ainda vice-presidente mas muito provavelmente futuro presidente do Brasil Michel Temer (PMDB). Além da recuperação da economia, também a relação com os investigadores do Ministério Público e da Polícia Federal será duro teste para o novo inquilino do Palácio da Alvorada..Por isso, Dilma, Lula e outros dirigentes petistas têm sugerido que Temer fará de tudo para travar a Lava-Jato. A propósito, alguns colunistas destacaram o facto de no discurso do vice que chegou à imprensa na semana da votação não haver uma referência sequer à palavra corrupção em 15 minutos de áudio. Para controlar os danos, Temer respondeu às acusações num tweet - "como jurista sei que a Lava--Jato é muito importante" -, mas foi só. O jornal O Globo usou o seu editorial de ontem para pressionar o eventual novo chefe de Estado. "O vice terá de ir além de declarações (...) para ficar claro que não importa que o PMDB seja alvo da Lava-Jato.".[artigo:5132526].De facto, o próprio Temer foi citado três vezes no processo. Por dois delatores e via sms. Numa mensagem enviada ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), o sócio da construtora OAS Léo Pinheiro revelava que havia pago cinco milhões de reais (cerca de 1,2 milhões de euros) a Temer. Este respondeu que se tratava de uma doação legal de campanha. Os delatores Delcídio do Amaral e Júlio Camargo afirmaram que o lobista Fernando Soares e os quadros da Petrobras Jorge Zelada e João Henriques, os três presos, tinham ligação ou foram mesmo indicados pelo vice..Romero Jucá, braço direito de Temer e seu substituto no cargo de presidente do PMDB, é investigado na Lava-Jato. Eduardo Cunha, citado dez vezes no processo, é réu. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), foi anteontem citado pelo delator Nestor Cerveró, ex-diretor da petrolífera, como beneficiário de uma comissão de seis milhões de reais (perto de 1,5 milhões de euros). Cunha e Calheiros estão, por essa ordem, na linha sucessória de Temer, caso este se torne presidente do Brasil..Cunha passou ontem mesmo a Calheiros o testemunho do processo de impeachment a Dilma, que nos próximos dias começará a ser julgado no Senado. Por ora, os três maiores partidos, PMDB e PSDB, pró-destituição, e PT, contrário, lutam por eleger o relator da Comissão de Impeachment da casa. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, cujo placard do impeachment na Câmara teve 99% de acerto, já há 46 senadores pelo sim (bastam 41 para o processo prosperar), 20 pelo não e 15 indecisos..Esse resultado provisório leva a que Temer comece já a contactar ministros. Por um lado, tenta reunir notáveis nas pastas principais, por outro tem de satisfazer todos os partidos que romperam com Dilma para o apoiar. E isto prometendo pelo meio aos empresários e à imprensa que vai reduzir o tamanho do executivo - hoje tem 39 ministérios. Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e guru económico de Aécio Neves (PSDB), jantou com Temer mas recusou assumir a pasta..Dilma reage a Bolsonaro.Dilma referiu-se ontem pela primeira vez ao voto de Jair Bolsonaro (PSC), o pré-candidato à presidência da República que dedicou o seu sim ao impeachment a Carlos Brilhante Ustra, considerado o principal torturador do regime militar no Brasil (1964-1985). "Lamento que este momento do país tenha dado abertura para esse tipo de intolerância e de ódio, é terrível, é lamentável, você ver alguém votando em homenagem ao maior torturador que este país conheceu, é lamentável", disse em entrevista a jornalistas estrangeiros..Segundo relato no jornal Folha de S. Paulo, o voto de Bolsonaro causou constrangimento entre os ministros, governadores e outros convidados que assistiam à votação ao lado da presidente, ela própria torturada por Ustra no início da década de 70. O bom humor dela - respondia "tchau, querido" aos deputados que repetiam o slogan "tchau, querida" para as câmaras - transformou-se num silêncio de minutos..[artigo:5131273].À imprensa internacional, Dilma voltou a apontar o dedo a Temer e a Cunha, sem os citar. "É muito raro ver um vice-presidente a agir assim, é uma tentativa indireta de um grupo de chegar ao poder porque, de outro modo, não teria acesso a ele, eles estão a vender até terrenos na lua para chegar ao poder.".Sobre Cunha disse que agiu "por vingança", ao aceitar o pedido de impeachment horas depois de o PT ter decidido votar contra si no Conselho de Ética, que "a Câmara começou a ter práticas absolutamente condenáveis, como as pautas--bomba" e que o passado de quem a julga "não os habilita a ser juízes mas sim a ser réus".."O Brasil tem um veio golpista adormecido", continuou, "estou a ser vítima de uma flagrante injustiça e de uma fraude política e jurídica". Para concluir que "se a crise económica fosse argumento para derrubar presidentes não teria sobrevivido um único nos países de-senvolvidos depois da crise de 2008, não sou eu a responsável pelo fim do superciclo das commodities"..São Paulo