Oops, they did it again
A UTAO apresentou recentemente o relatório de execução orçamental com as contas a dezembro de 2017. Para a ciência, as notícias não são boas. A Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT) aprofunda as suas deficiências de funcionamento.
Os problemas de execução não só se mantiveram como se agravaram (desceu de 87,7% para 74,9% em transferências correntes e manteve-se abaixo dos 80% nas transferências de capital). Nestes dados ainda não estão contabilizados os fundos europeus (onde a execução é mais baixa), o que indicia que o problema será ainda mais grave do que em 2016.
Temos alertado para os perigos de uma política de governo que primeiro anuncia, mas depois não executa. A austeridade está cá, na ciência, no nosso investimento para o futuro, onde é conhecida a já baixa dotação orçamental.
Os cortes da administração Trump tiveram como resposta uma participação global na Marcha pela Ciência 2017. Neste ano, em Portugal, é de levar um cartaz aludindo à forma como a FCT desperdiça receitas (quem sabe na mão do próprio ministro Manuel Heitor).
É óbvio que os atrasos na publicação dos resultados dos concursos (bolsas e projetos) e na implementação da Lei de Emprego Científico, bem como a não renovação de bolsas e as chantagens de não pagamento a unidades de investigação, estão ligados a esta baixa execução orçamental.
A própria confiança política na atual direção da FCT está em baixa (talvez ao grau da execução), existindo casos em que o ministro determina e a FCT não executa (veja-se o prolongamento dos contratos de bolsas dos investigadores doutorados).
Mas o financiamento dos projetos com as universidades dos EUA e o programa espacial português parecem beneficiar de taxas execuções mais favoráveis, o que indicia que na FCT existe uma via verde cujo chip é de uso reservado à viatura ministerial.
Mas aquilo que vamos mesmo ter de conversar é a estratégia para 2030, porque aí reside a chave do futuro, incluindo do grau de execução da FCT.
A viragem nos sistemas regionais de inovação faz-se sentir, e em torno dos campus das universidades e dos politécnicos começam a surgir cinturas terciárias.
Cabe escrutinar o que se está a criar nestas cinturas, financiadas generosamente com fundos comunitários. É que os centros de dados podem encher o olho de populações envelhecidas (e jornalistas menos avisados), mas call centers de apps & data não fazem ganhar o campeonato da inovação.
É bom recordar os casos de outras regiões europeias, no qual a política de inovação derivou num caminho inferior de insucesso, baseado em baixos salários, precários e uma economia pós-industrial terciária de serviços de venda e escritórios.
Na política de gestão de fundos comunitários, a adoção de certos modelos de economia política possui consequências negativas conhecidas, seja pela ênfase do curto prazo, pela baixa inovação, pelos baixos salários ou mesmo pela baixa qualificação (a insistência nos TESP não augura nada de bom).
Conhecendo-se os problemas das instituições portuguesas, é preciso ter cuidado, antes que os fundos destinados à ciência, tecnologia e inovação sejam capturados para manter um conjunto de empresas de empregos precários e mal pagos (ainda que com logótipos bonitos e muito branding), ou para alimentar estratégias de afiliação de algumas reitorias e presidências de politécnicos.
Por isso, para bem de todos, convém que o debate sobre o Portugal 2030 não seja feito num par de reuniões fechadas entre dois partidos (com o resultado do costume).
O governo do Partido Socialista acaba de publicar já três resoluções que determinam esse horizonte 2030, determinando metas e gastos, sem falar com mais ninguém. Essas resoluções indiciam muitos dos problemas aqui abordados. Oops, they did it again...
Presidente da Direção do SNESup