ONUSIDA diz que comportamento de ex-dirigente foi "inaceitável"

Luiz Loures terá supostamente beijado à força uma funcionária, Martina Brostrom, antes de a tentar arrastar à força para fora do elevador de um hotel em Banguecoque.
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A agência das Nações Unidas para o VIH/Sida (ONUSIDA) reconheceu na semana passada num email interno que o comportamento de um ex-alto funcionário em relação às mulheres era "inaceitável" considerando que só era possível numa cultura "misógina".

Trata-se do mais recente desenvolvimento de um escândalo de assédio sexual que levou o anterior diretor executivo daquele organismo a retirar-se mais cedo de funções e que levou também à demissão de outros dois funcionários.

Aquela mensagem de correio eletrónico parece constituir uma referência velada a Luiz Loures, o anterior diretor executivo da ONUSIDA que supostamente beijou à força uma funcionária, Martina Brostrom, antes de a tentar arrastar à força para fora do elevador de um hotel em Banguecoque.

"Rejeito categoricamente as descobertas tornadas públicas pela ONUSIDA e afirmo que nunca assediei sexualmente ninguém", afirmou Luiz Loures numa mensagem de correio eletrónico enviada à agência Associated Press (AP).

Acrescentou que nunca foi entrevistado no decurso da segunda investigação reaberta pela ONU sobre as alegações de assédio sexual, que durou dois anos, apesar de se ter voluntariado para colaborar.

"A única conclusão que se pode chegar é que a segunda investigação teve motivos políticos, unilaterais, injusta e não se baseou em factos objetivos", indicou.

Um inquérito anterior, no qual Luiz Loures participou, encontrou evidências insuficientes para fundamentar as alegações da funcionária, mas uma averiguação independente conclui pela existência de uma cultura de impunidade e de "liderança deficiente" naquela agência da Organização das Nações Unidas com sede em Genebra.

Martina Brostrom foi demitida pela ONUSIDA em 2019, após uma reportagem da Associated Press que revelava que a própria estava a ser investigada por má conduta financeira e sexual antes de apresentar as acusações de assédio sexual contra o seu superior.

Este mail interno parece ser a primeira vez a ONUSIDA reconhece irregularidades cometidas por um funcionário sénior, ainda que não tenha identificado Luiz Loures. A porta-voz da ONUSIDA, Sophie Barton-Knott, afirmou esta segunda-feira, em comunicado que os assuntos relativos às investigações e audiências disciplinares são confidenciais.

As acusações de má conduta abalaram a liderança da ONUSIDA, levaram a Suécia a anunciar que suspenderia o financiamento até que um novo dirigente fosse designado o que representou um embate numa agência que está no centro dos esforços bilionários financiados pelos contribuintes para acabar com a epidemia de sida até 2030.

A diretora executiva da ONUSIDA, Winnie Byanyima, que assumiu o cargo em 2019, informou a equipa numa mensagem enviada na passada semana que esperava que o anúncio dos resultados da investigação "pudesse ser o momento para encerrar o assunto" ao mesmo tempo que pedia desculpas pelo facto de a notícia poder "revelar traumas do passado".

O seu comportamento inaceitável para com as mulheres era "aparentemente tolerado pela alta administração do organismo na época, perpetuando uma cultura organizacional que parecia permitir tal conduta", disse Byanyima, na mensagem obtida pela AP.

"Quero assegurar-lhes que tomei as medidas adequadas neste caso, em linha com o firme compromisso da ONUSIDA com a tolerância zero para qualquer forma de conduta abusiva", escreveu Byanyima. Frisou ainda sentir-se "frustrada com processos de justiça interna lentos e complicados" no organismo, acrescentando que está à procura de melhores soluções.

Foi em 2018 que Martina Brostrom trouxe pela primeira vez a público as acusações de que Luiz Loures a agredira sexualmente durante uma viagem de trabalho, e duas outras mulheres descreveram encontros semelhantes com aquele responsável Loures, que classificou as acusações de "infundadas".

Mais tarde, Luiz Loures abandonou o cargo, que o antigo chefe do organismo, Michel Sidibe, deixara seis meses antes.

Uma investigação inicial da ONU descobriu que não havia evidências suficientes para provar as alegações de Martina Brostrom, mas um grupo designado para examinar a cultura de trabalho da ONUSIDA concluiu que havia "vazio de responsabilidades na agência", que alguns funcionários descreveram como "um terreno de presas e predadores".

Edward Flaherty, advogado de Martina Brostrom, não comentou a última mensagem da ONUSIDA, tendo apresentado recurso da demissão d sua cliente.

Nos últimos meses, a ONU tem lutado com um número crescente de reclamações de assédio sexual , o que tem gerado preocupações de que haja pouca responsabilidade nas agências de saúde especializadas do organismo.

Em maio, a Associated Press (AP) publicou uma investigação na qual mostrava que a liderança sénior da Organização Mundial de Saúde fora informada em 2019 de alegações de má conduta sexual prejudicial envolvendo médicos da Organização durante sua resposta a um surto de ébola no Congo. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse anteriormente que qualquer funcionário que se encontrasse ligado a assédio sexual seria imediatamente despedido.

Um dos funcionários da OMS informado por escrito sobre as alegações de abuso, conforme relatado pela AP, foi posteriormente promovido e dirigiu os esforços da agência contra o Ebola na Guiné no início deste ano.

A OMS nomeou um painel em outubro passado para investigar com urgência as denúncias de abuso sexual durante a epidemia de ébola no Congo, não tendo ainda divulgado qualquer descoberta tendo pedido ainda à imprensa mais detalhes sobre as alegadas más condutas.

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