ONU: há 63 anos a usar famosos para defender as suas causas
"O nosso trabalho não é convencer ninguém naquela sala. O nosso trabalho é garantir que as câmaras entram lá. Porque assim que colocamos os holofotes nas pessoas, elas têm tendência a cumprir os seus compromissos", disse o ator George Clooney em 2006, falando do papel que as celebridades podem ter junto das Nações Unidas. Dois anos depois, seria nomeado "mensageiro da paz", cargo que ocupou até 2014, ajudando a chamar a atenção para os conflitos no Sudão ou na República Democrática do Congo. Já neste mês, foi o poderoso discurso da sua mulher, a advogada de direitos humanos Amal Clooney, que chamou a atenção num evento na ONU. Mas, no seu caso, o fator celebridade falou mais alto, já que houve quem se distraísse da mensagem e se centrasse na sua gravidez.
"Estou a falar para vocês, o governo iraquiano, e para vocês, Estados membros da ONU, quando pergunto: porquê? Porque é que nada foi feito?", questionou a advogada, que representa vítimas de rapto e violação do Estado Islâmico. E deixou o alerta: "Não deixem o Estado Islâmico safar-se do crime de genocídio." Mas muitos media, desde o tabloide britânico Mirror à revista norte-americana Time, optaram por destacar o vestido amarelo que usava ou o facto de já ser visível a "barriguinha" de grávida. Uma situação que gerou polémica nas redes sociais. Entretanto, Amal lembrou numa entrevista à BBC que a maior parte do seu trabalho é feito nos bastidores, mas que se mais pessoas ficam a saber o que está a acontecer com o Estado Islâmico por causa da publicidade extra então "isso é muito bom".
A diplomacia das celebridades não é algo novo - basta lembrar as iniciativas de Bob Geldof contra a fome em África em meados dos anos 1980. Mas a ideia de usar os famosos já vem de antes: "Desde o início dos anos 1950, a ONU recrutou os serviços voluntários e o apoio de várias personalidades proeminentes do mundo das artes, música, cinema, desporto e literatura, para destacar determinados temas ou chamar a atenção para a suas atividades", lê-se no site da ONU Mulher. As atuais embaixadoras deste organismo são as atrizes Emma Watson (que lançou o programa He for She, contra a desigualdade de géneros), Nicole Kidman e Anne Hathaway.
A primeira a recorrer ao apoio das celebridades foi contudo a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para as Crianças): o embaixador original foi o ator, músico e comediante Danny Kaye, protagonista de filmes como O Bobo da Corte ou O Inspector Geral. Nomeado para o cargo em 1954, foi o centro das atenções em Oslo quando a UNICEF venceu o Prémio Nobel da Paz em 1965 e foi um defensor dos direitos das crianças até à sua morte, em 1987. "As celebridades atraem atenções, por isso estão numa posição de focar os olhos do mundo nas necessidades das crianças, nos seus países e visitando projetos e programas de emergência no estrangeiro", lê-se no site da organização. "Podem falar diretamente com aqueles com o poder de mudar as coisas. Podem usar os seus talentos e fama para angariar fundos e defender as crianças", acrescenta.
Atualmente, há várias dezenas de celebridades que dão a cara pela UNICEF, como a cantora Katy Perry, o ator Liam Neeson ou os tenistas Serena Williams e Novak Djokovic. Em Portugal, os embaixadores são a fadista Mariza, o antigo futebolista Luís Figo e o piloto Pedro Couceiro. Mas há outros portugueses envolvidos com organizações da ONU: a atriz e apresentadora Catarina Furtado é uma das seis embaixadoras da Boa Vontade do Fundo de População das Nações Unidas, ao lado da atriz Ashley Judd ou da princesa Mary, da Dinamarca. A atriz Maria de Medeiros é uma das Artistas pela Paz da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
A nível internacional, um dos rostos mais famosos na defesa dos refugiados tem sido a atriz Angelina Jolie, que mais do que embaixadora foi nomeada enviada especial do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), quando António Guterres (atual secretário-geral) estava à frente do organismo. Depois há ainda as celebridades que criam as suas próprias fundações e que são chamadas a pronunciar-se na ONU, como o ator Leonardo DiCaprio, que dá a voz pela defesa do clima, ou o cantor Bono, que tem várias iniciativas a favor do perdão da dívida dos países africanos ou no combate contra a sida.
Mas nem sempre a conjugação de fama e diplomacia funciona: Sophia Loren, por exemplo, foi criticada por aparecer numa cerimónia do ACNUR num Rolls-Royce, vestindo um casaco de peles.