Ontem a morder as canelas

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A esquerda trabalhista britânica volta a ser alternativa para governar. Talvez isso possa explicar o surto de notícias sobre alegadas ligações dos serviços secretos da então comunista Checoslováquia, na década de 1980, com o atual líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Um antigo espião checo - Ján Sarkocy, expulso da Grã-Bretanha, em 1989 - diz que Corbyn foi pago por si para dar informações. Os jornais ingleses têm dado muita relevância às pretendidas revelações, com os de direita a rejubilar. Corbyn nega tudo. Ontem, o The Guardian citou Radek Schovánek, reputado pesquisador que investiga os ficheiros checos há vários anos. O especialista disse ao jornal que as suspeitas são infundadas. O escândalo tem poucas horas e vai envenenar a discussão política. Os britânicos têm uma fascinante história sobre toupeiras comunistas colocadas na política e nos serviços secretos durante a Guerra Fria - assunto sórdido mas que também propiciou bons romances e filmes. O fim do bloco comunista diminuiu a noção da dimensão do facto. O que era trabalhar para o "outro" lado? Ser "traidor" naquele tempo era assim tão grave? A direita britânica pode querer tirar partido das acusações de Sarkocy por razões políticas atuais. A esquerda pode querer encolher os ombros: ainda importam essas histórias de há 40 anos? Em Um Legado de Espiões, romance lançado no ano passado, John le Carré ressuscita os seus espiões da Guerra Fria, George Smiley e companhia. Aí, o seu livro O Espião Que Saiu do Frio, lançado em 1963, é revisitado nos tempos atuais: os espiões reformados são julgados pelos seus atuais colegas, com critérios atuais. É uma metáfora sobre um equívoco: é que o ontem foi ontem, no tempo de ontem e com gente de ontem. O que há para saber sobre as acusações a Jeremy Corbyn é se aconteceu aquilo ou não. E se for preciso saber o que aquilo significava ontem, que fique claro: era um erro.

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