Onde menos se espera, "Lisboa, Cidade do Sul" projeta-se

A Videoteca saiu de casa para mostrar, pela cidade, o cinema que nos liga à América Latina (e ao Sul). Alcântara, Carnide e Parque das Nações são os próximos destinos
Publicado a
Atualizado a

"Se vêm mostrar, a gente deve vir". Isaura Sousa, sentada numa das cadeiras de plástico deste cinema ao ar livre, foi das primeiras a sair de casa ("ali mesmo em cima") e a tomar lugar para a projeção ao lado do marido. José. É sábado, está uma dessas noites para estar na rua, nem frias nem quentes, e os cobertores cinzentos, emprestados pelo quartel de Mafra, vão ficar arrumados em pilha, sem que ninguém lhes ligue. Passa música sul-americana e o ecrã anuncia os filmes que se vão poder ver na sala improvisado no bairro do Vale Fundão, em Marvila: Milagre na Terra Morena, documentário do realizador cubano Santiago Alvarez, de 1975, a partir de entrevistas e imagens captadas após o 25 de Abril, e Outro País, esses 70 minutos em que o realizador luso-francês Sérgio Trefaut resgata a palavra de documentaristas e fotógrafos que conheceram Portugal nos anos da revolução e do PREC (Processo Revolucionário em Curso).

[youtube:MPZrD-__qSQ]

É o próprio quem faz as apresentações, pouco depois das 21.30, já com as cadeiras cheias. Outro País (2000) "nasceu de uma tentativa de fazer uma exposição nos 25 anos do 25 de Abril". Percebeu que não estavam disponíveis em Portugal os arquivos dos muitos fotógrafos e realizadores que passaram por Portugal entre 1974 e 1975, como Sebastião Salgado ou o norte-americano Robert Kramer, autor do filme Cenas da Luta de Classes em Portugal (1977). O que viram, como viram é tema do debate que Tréfaut manteve três horas antes com os investigadores Olivier Hadouchi e Maria do Carmo Piçarra na sala de festas do Vale Fundão.

A projeção está prestes a arrancar. "Alguém fala castelhano?", pergunta-se, para saber em que língua devem aparecer as legendas. Uma mão ergue-se. "Quero conhecer mais sobre este período", conta, voz sussurrada, o espanhol entre a audiência, há dois anos a viver e trabalhar em Portugal. Descobriu o evento "nas redes sociais". Outros, como Elsa Fernandes, que aqui vive há quase 50 anos, recebeu "o convite" por carta. Veio com a família, neta e três bisnetos e sentaram-se na primeira fila. Os miúdos entretêm-se com filmes no telemóvel enquanto esperam e talvez preferissem outros títulos para ver no bairro, admitem os pais. Mas esse não é "o objetivo desta iniciativa, diz Sérgio Marques, que acompanha Inês Sapeta Dias na programação.

Lisboa, Cidade do Sul é o chapéu que abriga esta mostra de filmes nascida para a Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura. São parte do ciclo Topografias Imaginárias, que o Arquivo Municipal de Lisboa - Videoteca organiza pela quarta vez e que leva para a rua pela primeira.

Os próximos destinos são Alcântara, Carnide e Parque das Nações (ver programa). Em dia de projeções, um autocarro, gratuito, sai às 21.00 da Praça da Figueira, para estas salas de cinema escolhidas para condizer com os filmes, pontes cinematográficas entre Portugal e a América do Sul. Como o bairro do Vale Fundão, de casas construídas por quem aqui vive há quatro, cinco décadas. "É um bairro de gente que veio da Beira Alta e Trás-os-Montes", conta Sérgio Marques. "No momento em que se estava a ter ideias sobre a construção do país", diz Inês Sapeta Dias, a propósito do filme de Santiago Alvarez, que passa no ecrã, "viemos para um bairro construído pelos habitantes, migrantes do norte para o sul".

Cinema ao Ar Livre

6.ª feira, 8 de setembro

La ilusión Viaja en Tranvía, Museu da Carris

18.30 Visionamento comentado pela investigadora Luísa Veloso, coordenadora do projeto "O trabalho no ecrã", pela historiadora Ana Alcântara, especialista em operariado e transportes, e pelo psiquiatra e crítico de cinema António Roma Torres.

21.30 Projeção do filme de Luis Buñuel, um clássico mexicano de 1953, seguindo um grupo de trabalhadores da companhia de elétricos da Cidade do México. A viagem dura uma noite, desde que o veículo é roubado até à sua devolução na manhã seguinte.

[youtube:V_OYD3k76Ms]

Sábado, 9 de setembro

Los Barcos, Fuera de Quadro, Mauro em Caiena e Où Est La Jungle?

Teatro de Carnide

17.30 Visionamento comentado dos filmes com o geógrafo Álvaro Domingues e a professora Teresa Castro, que tem estudado as relações entre cartografia e cinema.

Azinhaga do Serrado

21.00 Projeção ao ar livre de quatro curtas-metragens unidas por questões de território e representação: Los Barcos (24 minutos), uma produção Chile/ Portugal de 2016, de Dominga Sottomayor, uma turista argentina vem a Portugal apresentar um filme observa a cidade à luz de clichés. Fuera de Quadro (10 minutos), é uma produção Portugal/ Argentina, de 2010, sobre a relação de um mãe e de um filho e a ausência deste nas telas dela, assinada por Márcio Laranjeira. Mauro em Caiena (20 minutos, Brasil, 2012) é um filme de Leonardo Mouramateus a partir do olhar de uma criança. Où Est La Jungle? (33 minutos), uma produção de realizada por Iván Castiñeiras Gallego (França, Portugal, Brasil, 2015) a propósito dos índios da Amazónia hoje.

[youtube:uyxV4IFw_uI]

Domingo,10 de setembro

Eldorado_XXI

Arquivo Municipal de Lisboa

18.00 Visionamento comenta de Eldorado_XXI, com a autora, Salomé Lamas, o cineasta João Mário Grilo e o fotógrafo André Cepeda.

Parque Tejo

21.30 Na pista de skaters do Parque Tejo (Parque das Nações), projetam-se os 125 minutos do filme de Salomé Lamas (uma produção Portugal, França, Peru, de 2016) que acompanha a comunidade La Rinconada y Cerro Lunar, nos Andes, um dos pontos mais altos do mundo.

[youtube:ddjpI9YKwdI]

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt