Onde Lisboa é mais parisiense

Assim como Portugal (e em especial Lisboa) está no topo das preferências dos franceses (maioritariamente vindos de Paris), também a capital tem muito daquela essência parisiense que associamos aos <i>boulevards</i>, à vida cosmopolita e a uma certa luz primaveril. Afinal, o que é que Paris tem que não nos falta em Lisboa?
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Aprendemos na escola que a dinastia de Borgonha fundou o reino de Portugal no século XII e nem nos lembramos de que, na sua origem, ela é francesa, o que equivale a dizer que as relações luso-francesas remontam aos primórdios de Portugal como país. São muitos os laços históricos e culturais que nos ligam a França, a que se somam excelentes relações económicas. Não admira que Lisboa tenha tanto de Paris, ou que o número de franceses a morar em Portugal tenha aumentado 34% nos últimos nove anos (Campo de Ourique reúne a maior comunidade francesa da capital).

"Quando as populações se estabelecem e criam raízes, fazem-no tendencialmente através da criação de um conjunto de referências fortes, identitárias, de consumos, como os restaurantes ou as padarias", explica o sociólogo Nuno Dias, especialista em migrações do ISCTE. Segundo ele, esta pode muito bem ser mais uma fase de transformação da cidade: "Se alguém procura um bairro e há identificação com o comércio praticado, com o tipo de pessoas que passeiam na rua, começa a haver a perceção de que o bairro é um bairro de franceses. Entretanto mais famílias os procuram por estarem associados a isso", acrescenta o especialista, seguro de haver razões muito parisienses para se gostar de Lisboa.

1 Estação de metro em Picoas
Na verdade, não se trata de toda a estação de metro e sim de uma das entradas de Picoas, no cruzamento da Avenida Fontes Pereira de Melo com a Rua Andrade Corvo. Se a calçada é portuguesa a cada pedra, a estrutura metálica - da autoria do arquiteto Hector Guimard, considerado o mais representativo do movimento art nouveau francês - é uma cópia perfeita da que dá acesso à estação Cité (linha 4 da rede parisiense), na Île de la Cité. Em troca desta oferta do Metropolitano de Paris a Lisboa, inserida num programa de intercâmbio cultural, o nosso metro agradeceu o gesto com painéis de azulejos do pintor e ceramista Manuel Cargaleiro. Também eles foram dar um je ne sais quoi à estação de metro Champs-Élysées/Clemenceau.

2 Avenida da Liberdade
Paris tem os Champs-Élysées e nós temos a Avenida da Liberdade, uns Campos Elísios à moda de Lisboa que se prolongam pelo Parque Eduardo VII (assim batizado em honra do rei de Inglaterra que o visitou em 1903, não são necessárias rivalidades). E o que tem esta nossa avenida de tão parisiense, afinal? Foi construída entre 1879 e 1886 à imagem dos boulevards de Paris, com lojas de luxo ímpares e preços igualmente estrondosos, rodeada de árvores por todos os lados. Tem hotéis requintados, cafés com esplanadas, fontes, edifícios de época, terraços, estátuas de intelectuais. É ainda a zona mais cara por metro quadrado, concentrando escritórios, montras de grandes marcas e tráfego intenso dos Restauradores ao Marquês de Pombal. Ninguém resiste a tantos encantos.

3 Pastelaria Versailles
Mesmo ao longe, as montras descomunais da Versailles impõem-se a quem caminha nos passeios da Avenida da República, quanto mais não seja em pensamentos: duchesses recheados com chantilly e fruta fresca. Croissants de massa folhada que se desfazem na boca. Bolo de chocolate. Pastéis de creme. Miniaturas. Croquetes. O café da casa. Caixas finas de chocolates. Licores e chás dignos de serem servidos nos banquetes do palácio de Versalhes - o próprio, em Paris, que emprestou o nome a esta pastelaria opulenta de espelhos amplos, lustres no teto e mobiliário art nouveau, a fazer as delícias das Avenidas Novas desde 1922. Uma coisa é certa: sentarmo-nos para tomar o pequeno-almoço na Versailles é diferente de pedir um galão e uma torrada noutro sítio qualquer.

4 Elevador de Santa Justa
Há quem lhe chame Santa Justa, do Carmo ou simplesmente da Baixa, por ser dos monumentos que mais cativam os turistas no centro histórico de Lisboa. Mas o que mais importa referir - além da vista espetacular sobre a cidade que se tem do alto da plataforma deste elevador industrial do século XIX, seja dia ou noite - é ter sido desenhado pelo engenheiro Raul Mesnier de Ponsard, discípulo do reputado mestre do ferro Gustave Eiffel, responsável pela construção da Torre Eiffel. À época em que abriu na Rua do Ouro em 1902 - 45 metros de filigrana em estilo neogótico romântico, ligando a Baixa ao Bairro Alto -, o elevador vertical funcionava a vapor. Cinco anos mais tarde começou a trabalhar a energia elétrica para não mais parar, todos os dias para cima e para baixo entre as 07.00 e as 23.00 (21.00 no inverno).

5 Comptoir Parisien
É um bistrô com nome complicado mas uma história simples de contar: Nicole e Gilles, um casal parisiense com mais de 20 anos de experiência na área da restauração, veio visitar Lisboa em agosto de 2013, rendeu-se à cidade e decidiu que voltaria para não mais ir embora, mesmo que os quatro filhos preferissem Paris (coisa que sucedeu). Por eles dois, regressaram três anos mais tarde, no final de janeiro de 2016. E já que iam ficar, melhor seria se se dedicassem ao que mais gostam de fazer: pratos franceses e portugueses com amor, num restaurante que abriram em Belém a 25 de abril desse ano. Se ir no elevador do Carmo é bom, o camembert gratinado e o crème caramel do Comptoir Parisien deixam-nos sem palavras. Em qualquer língua.

6 Coretos
Assim de repente, pensamos logo nos do Jardim da Estrela e da Praça José Fontana, muito parecidos um com o outro em dimensões e características: grandes, bonitos, de estilo marcadamente francês, onde em tempos se realizaram concertos de rua como os que ainda hoje há nos coretos de Paris. Dos dois, o mais antigo é o da Estrela, construído na Avenida da Liberdade em 1894, a partir de um projeto do arquiteto José Luís Monteiro (de formação francesa), até o ruído dos carros e o comércio forçarem a sua transferência para o Jardim da Estrela (já não se ouvia a música). Um pouco mais tardio é o coreto da Praça José Fontana, aprovado em 1912 e requalificado um século depois. O desenho de rendilhados em ferro coube ao arquiteto José Alexandre Soares, aluno de José Luís Monteiro e bolseiro em Paris. Fica explicado o encanto.

7 L'Éclair
Éclair, o bolo, é também a palavra francesa para relâmpago, já que comê-los é sempre uma experiência refulgente e fugaz (o que é bom acaba depressa). Mas então dois jovens lusodescendentes vieram de Paris a achar que podiam tornar esse momento supremo - Matthieu Croiger, formado em hotelaria e restauração, e João Henriques, pasteleiro pela École Grégoire-Ferrandi -, abriram em 2014 o seu primeiro espaço de alta pastelaria francesa (na Avenida Duque de Ávila, 44) e deram à cidade a L'Éclair, onde já criaram mais de 350 éclairs diferentes, doces e salgados, incluindo uns personalizados por encomenda. O segredo está nos ingredientes da maior qualidade: manteiga Elle & Vire, chocolate Valrhona, pistácio do Irão, baunilha do Taiti, framboesas do Alentejo, avelãs de Piemonte, laranjas do Algarve.

8 La Pétillante
E porque de Paris não vem só pastelaria requintada ou bons queijos - convém não esquecer os vinhos e champanhes gourmet que por lá se bebe -, La Pétillante nasceu em Campo de Ourique (Rua da Infantaria, 16) pela mão do casal Annie Maitrot e Jean-Luc Cid, no bairro há meia dúzia de anos depois de se apaixonarem pelo país numas férias (a mesma história de Nicole e Gilles do Comptoir Parisien, em traços largos). "Decidimos vir em 2013 para fazer um projeto de negócio. O Jean-Luc conhece muito bem o vinho francês e eu bebo muito", ri-se Annie, explicando que trabalham com pequenos produtores para oferecer produtos franceses a preços acessíveis: vinhos entre os 6,60 e os 87 euros, champanhe a partir de 26 euros. À votre santé!

9 Liceu Charles Lepierre
É um facto que Campo de Ourique é um dos bairros prediletos dos franceses que escolhem Lisboa para morar.
E um facto que essa preferência assumida pela capital se deve a inúmeras razões físicas, ambientais, sociais, culturais, afetivas, mas também à proximidade do Liceu Francês Charles Lepierre, uma referência educativa óbvia quando há tantas lojas que não têm o português como a sua língua corrente. Aí, do pré-escolar ao secundário, estudam mais de dois mil alunos.

10 Paris em Lisboa
Veludos. Artigos de seda e lã da melhor qualidade. Chapéus e demais enfeites que as damas parisienses usavam e as de Lisboa cobiçavam, desejosas de andarem tão na berra como elas. Quando a loja Paris em Lisboa abriu finalmente no Largo de São Carlos, em 1888, especializada nos últimos gritos da moda em Paris, as clientes de cá acharam que tinham morrido e ido para o céu. "Com taes e tantos predicados, não admira que este novo estabelecimento seja o ponto de reunião da nossa feminilidade elegante, sendo sucessivas e importantes as encomendas que ali se recebem, cada vez aumentando mais e mais os seus creditos", escrevia em 1894 o jornal A Folha de Lisboa. Hoje em dia a loja vende sobretudo roupa de casa, com muitas peças por medida e de produção própria.

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